Uma pergunta difícil

Vocês, pessoas que têm filhos, respondam-me lá a uma pergunta: porque é que tiveram filhos?

Vem isto a propósito de uum tweet de uma miúda de vinte anos que li há dias, em que ela dizia que não tem nenhuma vontade de ser mãe e que as pessoas só têm filhos para poderem controlar outra pessoa e para poderem ter alguém que seja igual a elas.

Eu percebo a maioria dos argumentos de quem não quer ter filhos. Sobre-população, alterações climáticas, dificuldades finaceiras, falta de apoio familiar, uma vida confortável e livre e sem amarras. Tudo me faz sentido e posso simpatizar com a maioria dos motivos. Só não consigo perceber a crítica a quem efectivamente escolhe ter filhos.

Há pouco olhei para os nossos filhos e perguntei-me: porque é que decidi ter filhos? E fiquei meio triste porque não consigo encontrar um motivo que me tenha levado a esta decisão. Era a decisão natural, o desfecho esperado numa relação entre duas pessoas adultas que gostam uma da outra. Parece que era isto que esperavam de nós: os pais, a família, o resto da sociedade. É verdade que não fomos pressionados a fazer nada, ter filhos não foi uma obrigação. Mas é um bocado o que esperam de nós, não é?

Nunca me passou pela cabeça que ter filhos significa controlar (quase doentiamente) uma pessoa. É óbvio que crianças pequenas necessitam de um maior cuidado do que adolescentes mas há um caminho que os pais fazem com os filhos em direcção à independência e à liberdade. As crianças têm pouca noção do perigo, demoram a distinguir o bem do mal e o papel dos pais é exactamente ajudar a formar esse conceitos desde pequenos. Não é controlar, não é mandar mas também não é deixar, negligenciar, ignorar. Também nunca me passou pela cabeça ter uma Marisa pequenina: estou demasiado consciente dos meus defeitos para saber que isso seria uma má ideia!

Puxo pela cabeça e não encontro uma razão racional (passe o pleonasmo) para ter filhos: o planeta está a aquecer, há pessoas a mais no mundo, estar vivo é cada vez mais uma questão de sorte dependente do sítio onde nasces, não há ajudas financeiras por aí além, é precisa uma aldeia num mundo em que as pessoas vivem cada vez mais isoladas. A única razão que me ocorre é que nós (pais) sonhamos em deixar uma espécie de herança no mundo, a continuidade dos nossos genes. Será tudo isto apenas um reflexo de instintos primários e milenares? Não sei responder mas de uma coisa tenho certeza: não tive filhos para passar a vida a limpar cocó de rabos :)

Um post sobre bullying (porque tem mesmo de ser)

(É daqueles posts que eu não queria escrever. Arrisco-me a dizer que é daqueles posts que ninguém queria escrever ou ler. Mas, cada dia que passa, sinto que é mais e mais necessário, nem que seja para eu me livrar desta sensação de enfartamento.)

Comecemos pelo princípio: eu também sofri bullying quando andava na escola. O fenómeno não é novo, todos assistimos a situações destas, da primária à universidade, com mais ou menos efeitos nefastos sobre as vitímas. Lembro-me especificamente de dois momentos difíceis para mim: quando um colega me puxou os cabelos até a minha cabeça estar perto do chão e o ritual diário de outro colega que gozava comigo, ambos quando andava no quinto ou no sexto ano. Para resolver a primeira situação, os meus pais telefonaram aos pais do meu colega e queixaram-se , depois de não conseguirmos resultados doutra maneira; para resolver a segunda, e eu sei que isto é simultaneamente incrível e hilariante, a minha avó e a minha tia foram esperar-me à porta da escola, pediram-me que identificasse o meu colega e disseram-lhe das boas em voz bem alta e em frente de toda a gente (enquanto eu provavelmente me encolhia de vergonha). Resultados? Ambos deixaram de me incomodar e cheguei a ficar bastante amiga do segundo.

Estas são apenas duas situações que me marcaram mas eu sei que vivi mais e também sei que outras pessoas sofreram longa e enormemente com a violência, os ataques verbais e físicos, o desprezo, a chacota simplesmente porque não eram iguais aos seus agressores. E, normalmente, é isso que mais me incomoda: o bullying vem de um sítio de profunda falta de auto-estima e de intolerância das coisas mais simples e triviais. A relação mais comum entre agressor e vítima no meu tempo de escola era entre a criança inteligente, estudiosa e esforçada e a criança para quem a escola não significava absolutamente nada.

Nas últimas semanas, um video de bullying violento à porta de um liceu luxemburguês circulou pelas redes sociais e despertou a indignação de estudantes, pais e restante comunidade escolar. Ontem, numa das redes sociais em que tenho conta, circulava também um video semelhante passado em Portugal, em que uma das crianças acaba atropelada por um carro. Escolhi não ver ambos os videos porque não me sinto capaz de lidar com imagens de violência gratuita e sem sentido mas sei que, como estes, existem muitos mais videos e muitas mais agressões que ficam (felizmente) por registar.

E, no entanto, senti que precisava de escrever alguma coisa. Porquê? Porque também temos em casa uma vítima de bullying e custa imaginar que um dia nos vejamos envolvidos numa situação com esta gravidade. O Vicente tem sido agredido verbalmente por alguns colegas desde o início do ano lectivo. Algumas vezes, os colegas usam palavras que nem nós nem ele sabemos o que querem dizer (embora desconfiemos); noutras vezes, insultam-me a mim porque sabem que isso o magoa; noutras vezes, dizem-lhe coisas que também o deixam triste, como “Tu és adoptado” ou “Volta para o lixo de onde vieste”.

Tudo isto dói. A nós mas especialmente a ele, que não consegue compreender os motivos para este tipo de interacções. Muitas vezes, o simples facto de ele estar a ler um livro durante o recreio despoleta estas agressões. Já mudou de lugar na sala para se afastar destes colegas mas é difícil escapar totalmente durante o normal funcionamento da escola.

Já fizemos várias queixas ao professor, que castiga os alunos mas sem resultados. E agora estamos na fase seguinte, em que uma assistente social está envolvida para fazer uma espécie de mediação e para tentar resolver as coisas com os pais das outras crianças. Descobrimos, entretanto, que ele não é a única vítima destes miúdos e que há pelo menos mais um colega que é agredido devido à cor da sua pele. Apetece-me dizer “Como é possível que isto ainda seja um tema em 2021?” mas sei que o caminho ainda agora começou.

Já procurámos recursos para lidarmos melhor com esta situação e para o ajudarmos a sair dela o mais intocado possível mas sabemos que o trabalho deve ser nosso porque não há soluções universais,. Há coisas que, para nós, têm sido fundamentais para navegar nestes dias: lembrar-lhe que ele é uma criança inteligente, curiosa, educada e muito amada e que nada disso se apaga com as palavras de outras pessoas; explicar-lhe que muitas destas agressões são o resultado de falta de auto-estima ou sentimento de inferioridade; mostrar-lhe que ele se pode e deve defender sempre que o queira e consiga fazer, em igual medida (o que significa responder na mesma moeda se a agressão alguma vez for física); tentar evitar a companhia destas crianças na medida do possível e sem nunca se isolar em momento algum; e, para mim talvez a coisa mais importante de todas, nunca mas NUNCA se calar face a uma injustiça, mesmo que seja outra pessoa a sofrê-la. É importante que ele (e os nossos outros filhos, claro) possa compreender que todos temos momentos difíceis, todos temos as nossas inseguranças e fraquezas mas que NADA disso justifica agredir (fisica ou verbalmente) outra pessoa.

Bem sei que o bullying não é de agora nem sequer vai acabar. Também se costuma dizer que as crianças são crueis e eu até aceito que possam algumas vezes dizer o que pensam sem compreender as consequências das suas palavras. O que não posso aceitar é ficar de braços cruzados, culpar os meus filhos apenas por existirem ou por não corresponderem à ideia que os outros têm de uma criança normal, desculpar os agressores por alguma falta de acompanhamento em casa ou no âmbito escolar. Não mudaria de ideias se fossem os nossos filhos os agressores: exijo deles exactamente o mesmo nível de empatia, de tolerância e respeito pelas regras de vida em sociedade que reclamo dos outros. Infelizmente, vejo no mundo dos adultos as mesmas falhas: a falta de respeito pelos outros, um individualismo cego que se manifesta nas coisas mais mundanas, uma triste incapacidade de sentirem empatia pelas pessoas que mais sofrem ou que estão mais desfavorecidas. E por isso sei que o problema é também nosso, dos adultos. Mas tenho esperança que, educando os nossos filhos para serem pessoas melhores, fazendo um esforço para que eles compreendam o papel de cada um no mundo, talvez possamos trazer para esta conversa uma centelha (mínima) de esperança. Neste momento, mais nada sei que fazer.

O que fizeram ao meu cérebro, putos?

Eu não sei se sou só eu ou se isto acontece a outras mães e pais mas sinto que estou a emburrecer. É claro que estou a envelhecer e nesse caminho vou perdendo a minha quota parte de neurónios mas o que eu sinto é que essa progressão não está a ser proporcional e está a acontecer muito mais rápido do que gostaria. Tento manter-me informada, tento ver/ler/ouvir coisas novas, tenho acompanhar o passo mas sinto muitas vezes que começo a ficar para trás.

Vem isto a propósito das perguntas que os nossos filhos nos fazem e para as quais eu não tenho uma resposta na ponta da língua. Parece até que me custa a articular as palavras e que não consigo desenvolver o mais básico raciocínio. Há uns anos atrás, e correndo o risco de parecer full of myself, eu sentia que compreendia as coisas e que as conseguia explicar. Não tinha muitas dúvidas existenciais e não estudei matérias muito complicadas mas sentia que tinha controlo sobre o meu próprio conhecimento. Agora, pedem-me para explicar uma coisa, qualquer coisa, e eu sinto-me a pessoa menos educada e articulada do mundo. Alguns exemplos dos exames que tenho sofrido:

Vicente: Mãe, qual é a nossa missão na Terra? Nós vivemos e isso mas o que viemos fazer?

Eu: …

*****

Amália: Porque é que os elefantes existem?

Eu: Erm…

Amália: Porque é que os nossos olhos estão a ver?

Eu: (ainda a recuperar da primeira pergunta) Erm…

Amália: Porque é que eu sou real?

*****

Fico com dúvidas sobre se isto é mesmo normal ou se calhar o resultado de mais de oito anos de privação do sono, por exemplo. Os meus níveis de cansaço às vezes eram tão altos que, ao fim do dia, não me lembrava como tinha chegado até ali. Por outro lado, não creio que seja um problema generalizado, já que no trabalho tenho continuado a aprender coisas durantes todos estes anos e a pô-las em prática facilmente. Se calhar, está é a ser difícil desmontar coisas que eu pensava saber ou tinha com garantidas, coisas que nunca tinha vocalizado mas em que tinha reflectido. De qualquer maneira, acho que nunca discuti estas questões durante a minha vida e essa é sem dúvida uma falha minha. Mas esta é a maravilha de educar filhos a dois: quando só me sai uma alarvidade qualquer ou quando me faltam as palavras para responder às questôes deles, o pai intervém e ajuda-me com as suas explicações curtas e simples. Se bem que às vezes não há explicação possível…

Vicente: Mãe, como é que os dinossauros faziam chichi?

Amalinha, cinco anos a dar-nos cabo da cabeça!

Eu devia ter adivinhado pela maneira intempestiva como chegou ao mundo. Amália chegou numa manhã gelada de 2015, sem dar oportunidade à epidural e sem esperar para nascer! E hoje completa cinco anos de vida, os mais intensos da minha vida!

Ainda tem muitos problemas em sentar-se quieta na escola e a professora às vezes não parece saber o que fazer com ela. É aplicada nas coisas que faz, desenha bem para a idade que tem e sempre coisas de menina (coelhos, gatos, unicórnios, os membros da família). Mas também é maria rapaz e gosta de jogar à bola com os irmãos, trepa móveis e muros como se não soubesse o que é o medo, não é esquisita a escolher o desenhos animados que quer ver. Anda muito orgulhosa das primeiras letras que sabe desenhar e pede muitas vezes para copiar coisas. Consegue identificar os nossos nomes e o nomes dos amigos só de olhar para as letras mas muitas vezes é ansiosa por pensar que não vai saber reproduzir a mesma sequência de letras.

Não me parece que tenha muitos amigos. Brinca muito sozinha e consegue inventar a suas brincadeiras sem interferência de ninguém. Dá-se melhor com adultos do que com crianças mas parece, mesmo assim, ser relativamente popular nos círculos sociais (escola, tempos livres). Come cada vez menos e pior. Quando era pequenina, comia tudo o que lhe púnhamos à frente e sem reclamar ou afastar algum alimento do prato. Hoje em dia, não gosta de quase nada e precisamos muitas vezes de negociar/chantagiá-la para conseguirmos que coma o mínimo possível.

Não a conseguimos obrigar a fazer nada. Mesmo com ameaças de castigo, ela insiste e leva a sua avante até não poder mais. A única coisa que resulta é falar, falar muito e explicar as coisas e os porquês para que ela possa mudar de ideias. Claro que um par de gritos vai muito longe mas preferíamos que isso não tivesse de acontecer. Birras? Ainda são muitas e intensas, porque esta miúda não veio ao mundo para fazer as coisas de mansinho. Mas já as vamos controlando mais e já são um pouco menos longas do que, por exemplo, há um ano atrás. É a heroína e o modelo do irmão mais novo, que a segue e imita por todo o lado e detesta isso. Mas brincam muitos os dois: afinal, a diferença de idades é menor do que entre ela e o Vicente. A pior coisa que lhe pode acontecer é o Vicente não querer brincar com ela, o que - adivinhem lá - acontece muito frequentemente…

Ela mudou a minha vida por completo. Todos eles mudaram, à sua maneira e a seu tempo, mas ela fê-lo de maneira radical e impossível de ignorar. Ela estica a minha paciência a sítios que pensava não existirem, ela faz-me perder as estribeiras com as suas exigências irracionais mas ela também me mostrou o que é amar alguém tão intenso e over the top de maneira incondicional. Ela é, entre os nossos filhos, a que mais me preocupa porque a vida não é fácil para quem não consegue controlar bem as suas emoções, para quem é menos sociável do que é esperado, para quem vive tudo como se fosse a última vez. Mas ela descansa-me também com o coração grande e cheio de empatia, com a sua curiosidade por tudo, com o sentido de humor bem particular. Amália, há cinco anos a centrifugar a minha calma e a ensinar-me que não há nada que uma noite de sono não possa aliviar!

Quando nada nos faria prever...

Ontem à noite, num dos mercados de Natal da capital, morreu uma criança com dois anos. Perto de um ringue de patinagem, uma estátua de gelo encomendada para o evento aparentemente derreteu e um bloco de gelo com algumas centenas de quilos caiu em cima da criança. Fim da história.

Não que alguém se dê ao trabalho de me perguntar alguma coisa mas se alguém me perguntasse porque não acredito em Deus, a minha resposta seriam estas histórias. Estes acontecimentos trágicos e absurdos, a rasgarem a normalidade em mil pedaços, sem respeito pela ordem natural das coisas. Aqueles momentos em que o som apenas nos chega abafado e ganhamos a consciência que a nossa vida acabou de mudar, antes mesmo de um segundo ter passado. Aquela dor que às vezes imaginamos (e se ele me tivesse largado a mão e corrido para a estrada? E se o carro não tivesse travado? E se não tivéssemos dado pela falta dela naquele minuto exacto? E se ele se debruçasse demasiado contra a nossa vontade?) mas que não podemos nunca prever nem aceitar, racionalmente, como uma possibilidade.

Tremo, só de pensar. Ninguém merece, ninguém imagina, ninguém antecipa. Os perigos à nossa volta multiplicam-se mas não há como viver sempre a pensar numa desgraça. Espanto-me muitas vezes com a nossa fragilidade e com a constatação de que a morte se esconde onde menos se espera e quando menos se espera. Vivemos primeiro agarrados à esperança de que nunca vamos morrer, depois abraçados à ideia de que existe realmente uma ordem natural e os filhos hão-de ir depois dos pais. Escapamos a guerras, à fome e à doença, vivemos em paz e abundância para um dia, imediatamente antes de lhe calçarmos uns patins ou antes de lhe comprarmos uma salsicha, nos morrer um bebé. Assim, sem mais nem menos.

Lamento o meu último post. Lamento queixar-me assim porque, no final de contas, os meus filhos estão vivos e eu não preciso acordar sem vontade de viver. Lamento não agradecer mais a dádiva que é ralhar-lhes, dar-lhes banho enquanto eles gritam, enfiá-los na cama quando não querem jantar. Lamento não conseguir muitas vezes ver além da espuma dos dias e apreciar a vida que temos. E, para não me moer com remorsos, prometo relativizar mais, perdoar mais, aceitar mais, deixar os ses para depois.

Porque é que ninguém me disse que isto ia ser assim?

Partilho convosco um resumo dos meus finais de dia.

17:30 - apanho o Vicente nos tempos livres. Normalmente, já fez os trabalhos de casa e está a divertir-se. Umas vezes a jogar às cartas, outras a desenhar ou a tentar perceber o xadrez. Os monitores explicam que ele se portou bem e que, no geral, tudo vai como deve ser.

17:35 - apanho a Amália nos tempos livres. Pela cara do monitor, já sei que ela lhe fez a cabeça em água. Ele conta-me, desagradado, como se passou a tarde. Ao que parece, ela não o respeita, faz apenas o que lhe apetece, desarruma sem voltar a arrumar, diz a uma colega que é má. Eu baixo-me à altura dela e demonstro-lhe que não estou contente com o que estou a ouvir e que este comportamento não pode continuar. Ela promete que amanhã vai ser melhor e abraça o monitor na mesma, enquanto se despede dele carinhosamente.

17:45 - apanho o Augusto na creche. As educadoras estão com um aspecto exausto: despenteadas, pálidas e nervosas. Descubro, dia após dia, que o Augusto é um dos grandes responsáveis por isto. Não obedece, foge delas em plena rua, pondo mesmo a sua vida em perigo, deita-se no chão quando não quer andar, parte os brinquedos porque só pensa em atirá-los para o chão, atira a comida de que não gosta para o chão, desafia-as sempre a dizer Não, mostra-lhes a língua. Eu baixo-me à altura dele e demonstro-lhe que não estou contente com o que estou a ouvir e que este comportamento não pode continuar. Ele promete que amanhã vai ser melhor, abraça as educadoras na mesma e não sai da creche sem dar um beijo repenicado a cada uma delas.

Por motivos diversos, é a mim que tem tocado este festival todo. Todos os dias da semana, durante semanas, durante meses. Respiro fundo antes de entrar em cada sítio, antecipando já o que me vão dizer e tentando encontrar justificações para tamanha indisciplina. Àquela hora, eu estou cansada do dia de trabalho mas sei que meu segundo dia está apenas a começar. Procuro conversar com eles para perceber o que os inquietou para se portarem assim. Ela diz que a colega a irritou, ele não se consegue explicar. Eu suspiro no curto caminho até casa, porque sei que a segunda ronda de gritos e disputas ainda está para começar.

Pergunto-me muitas vezes onde é que erro, como mãe. Já uma vez fui (fomos, na verdade) acusados de sermos pouco duros com eles mas a sensação que tenha é exactamente a contrária: há muitos castigos lá em casa e certamente mais gritos do que no mundo da parentalidade ideal. Também me pergunto onde vão as crianças buscar certos comportamentos: claro que sei que eles no copiam e olham para nós à procura de exemplo, mas ninguém vai acreditar que eu lhes mostro a língua quando me dizem qualquer coisa de que não gosto, não é? E também não podem acreditar que eu atiro tudo o que tenho à mão para o chão ou que chamo nomes às pessoas com quem não gosto de trabalhar? Eu sei que cada criança tem a sua própria personalidade, elas são muito mais do que apenas as pessoas que nós criámos e certamente diferentes das pessoas que imaginámos.

Este é o comportamento fora de casa. Agora juntem a isso a maneira como se portam em casa. As disputas constantes por um brinquedo com o qual nem querem brincar, os gritos porque um se atreveu a olhar para o outro, os empurrões e as rasteiras em que resultam tantas das brincadeiras, as birras porque o jantar é massa (ou sopa ou peixe ou carne ou arroz ou…), as claras birras de cansaço, as infinitas vezes em que parece que têm problemas de audição (nunca, mas nunca, fazem alguma coisa à primeira), a roupa que odeiam agora mas de que vão gostar nos próximos cinco minutos, etc etc etc. Podia continuar a enumerar os motivos mais parvos (mas algumas vezes divertidos) para estes miúdos se chatearem e, de arrasto, nos chatearem.

Na próxima vez que me virem e notarem mais cabelos brancos, façam-me um favor: não digam nada e rezem por mim e pela saúde dos meus ouvidos, pela contenção das minhas mãos e pela minha baixa tolerância ao barulho. Ao menos que alguém faça aquilo que peço…