2020, um balanço: uma obsessão

Este ano, em vez de escrever um post de reflexão sobre o ano que está quase acabar, resolvi fazer toda uma série de posts, com algumas coisas que me fizeram feliz, outras que me deixaram indiferentes e ainda as que me deixaram de rastos.

As eleições americanas

Créditos: Bloomberg (vista aqui)

É um bocado estranho, eu sei, mas eu estive e ainda estou obcecada pelas eleições presidencias nos Estados Unidos. Sinto-me estranha porque obviamente não sou cidadã nem sequer residente no país mas acompanho com muito entusiasmo e fervor tudo o que se tem passado desde o início da campanha eleitoral.

O meu interesse era apenas um: presenciar o momento em que Donald Trump perdia a presidência. Não me importava muito contra quem (confesso que o meu coração de esquerda torcia pelo Bernie Sanders, ao mesmo tempo que compreendia que ele é demasiado radical para ter qualquer hipótese nos Estados Unidos) mas hoje, mais de um mês depois do dia das eleições, estou até contente que tenha sido Joe Biden a ganhar.

Estas eleições presidenciais eram apenas sobre uma coisa: decência. Para mim, não estava em causa um programa partidário, a competência dos candidatos mas única e exclusivamente a troca de um presidente amoral, corrupto e sem um pingo de humanidade por uma pessoa “normal”. Uma pessoa “normal” também tem defeitos, não é isenta de escrutínio, não vai de repente resolver os problemas raciais, sociais ou económicos de um país inteiro mas vai, pelo menos, liderar pelo exemplo em busca da melhoria das condições de vida de todos os cidadãos.

Essa pessoa “normal” não vai demonizar imigrantes nem nacionalidades inteiras, não vai incitar ao ódio racial, não vai promover linchamentos nem actos de terrorismo. Uma pessoa “normal” rodeia-se de especialistas nas mais diferentes matérias, com provas dadas e tenta governar o melhor que sabe e que o conhecimento de um gabinete permite. Uma pessoa “normal” compromete-se a ajudar as empresas que tanto têm sofrido durante este mas também com os seus cidadãos (queiram term votado nessa pessoa ou não) que estão a sofrer em massa com o desemprego, a fome a a falta de acesso a cuidados médicos generalizados. Uma pessoa “normal” passa o seu tempo a governar, a informar-se, a tomar decisões e não a gritar inanidades e mentiras no Twitter.

Uma pessoa “normal” não coloca a sua família em postos para os quais essa família não tem qualquer qualificação e não povoa os seus gabinetes com pessoas desqualificadas apenas porque elas lhe servirão os seu propósito final: tratar um país inteiro como uma das suas empresas e enriquecer a todo o custo. Uma pessoa “normal” compreende qual é o seu papel e defende que o governo é totalmente of the people, by the people, for the people.

No dia 3 de Novembro, ciente de que os resultados não iriam ser conhecidos ness dia (e provavelmente Trump estaria à frente, já que os votos presenciais são contados primeiro), não liguei muito ao processo eleitoral. Sabia que as contagens iam demorar, era natural se pensarmos também nas quantidades de votos enviados pelo correio antes do dia das eleições. E no dia 7 aconteceu: amigos enviaram mensagem a confirmar a vitória de Biden (ainda apenas nas projecções) e eu senti imediamente um alívio e uma grande alegria. Emocionei-me a ver as pessoas que festejavam nas ruas, comovi-me com a ideia de que a democracia tinha cumprido o seu papel e as pessoas tinham finalmente decidido eleger a pessoa “normal”. Sabia que ainda não eram os resultados finais mas estava longe de imaginar o que iria acontecer até hoje, mais de um mês depois e a escassos 3 dias do colégio de eleitores depositar finalmente os votos de cada estado.

Trump tem alimentado a ideia que o resultado destas eleições foi falsificado sem nunca apresentar nenhuma prova. A sua equipa jurídica (que já mudou várias vezes e que, numa espécie de castigo bíblico,mestá agora em grande parte infectada com COVID) já perdeu 56 processos em tribunal, todos com a mesma justificação: não existe nenhuma prova de que tenha havido fraude. Nem mesmo os juízes que Trumpo nomeou para o Supremo Tribunal aceitaram sequer ouvir um dos casos, justificando-se na mesma maneira. Naquele que muitos pensam ser a última tentiva de golpe, vários governantes de pelo menos 17 estados pediram ontem para que o Supremo Tribunal elimine ou desclassifique milhões de votos legalmente válidos e inverta o resultado das eleições. Está por ouvir a decisão do tribunal mas muitos pensam que é apenas uma tentativa de alguns governantes republicanos se mostrarem leais a Trump, que no fundo destruiu o Partido Republicano para o transformar num apenas num culto de uma personalidade vil e nojenta.

(Se chegaram até aqui, parabéns e obrigada pela paciência! Mas podem mesmo ver como isto me entusiasma.)

Eu não sou, no geral, uma pessoa de convicções inalteráveis: compreendo que as coisas podem mudar, as pessoas podem errar e corrigir a sua trajectória e não ponho a mão no fogo por ninguém. Por isso, não acho que Biden seja o salvador da pátria e que, com ele, todos os profundos e divisivos problemas dos Estados Unidos irão desaparecer. Mas o estado das coisas é tal que ele parece ser uma pessoa decente e, neste momento, decência é tudo aquilo que parecem precisar os Americanos. E nós todos, porque o que acontece lá, tem o condão de nos influenciar também. E por isso, desejo aos Americanos o mesmo que desejo para qualquer pessoa do mundo: um governo de pessoas decentes, capazes e inteligentes, que não sobrepõem os interesses económicos aos interesses dos seus cidadãos. Com defeitos, é evidente, mas com aquela capacidade de se pôr na pele dos outros. E o dia 20 de Janeiro nunca mais chega!

Nova Iorque em Outubro

Ainda antes deste blog renascer, fui a Nova Iorque pela segunda vez. Em 2014, tínhamos lá estado durantes uns três dias mas dormíamos em New Jersey e por isso todos os dias cruzávamos o rio Hudson pelo túnel Lincoln num daqueles autocarros que vai cheio de pessoas que vivem nos subúrbios mas trabalham na cidade. Dest vez, e porque viajava com a minha irmã (em vez de com o meu marido), decidimos ficar mesmo no centro de Manhattan para evitar estas deslocações e para estar mesmo perto de tudo.

Mesmo sendo a minha segunda vez, foi uma viagem incrível. Sentia que conhecia já bastante bem a cidade e lembrava-me ainda dos detalhes da primeira vez. É evidente que em quase seis anos a cidade mudou imenso mas foi relativamente fácil a nossa orientação. É curioso que hoje em dia, quase três meses depois, ainda tenho memórias muito vívidas sobre a viagem e ainda me lembro frequentemente de tudo o que fizemos.

Fizemos muitas coisas novas mas eu também repeti algumas visitas: visitámos Coney Island, onde comemos um desconsolo de crab cake e onde quase fizemos chichi nas cuecas nos carroseis do parque de diversões. Estava um dia incrível, quente e sem vento e, mesmo sendo um dia de semana, o passadiço à beira mar estava cheio de gente a praticar desporto ou só a aproveitar o dia que parecia de Verão; passeámos em Brooklyn meio sem destino e acabámos a comprar discos de vinil na Rough Trade e a comer uns tacos bem bons; andámos setenta quilómetros em seis dias e isso notou-se bem nos nossos pés mas também em músculos que nem sabíamos que tínhamos.

Vimos uma peça na Broadway (The Book of Mormons) e rimos muito, depois de apanhar a maior chuvada da vida a caminho do teatro; subimos aos obrigatórios Empire State Building e Top of the Rock, regalámos os olhos no Met (o Moma estava fechado para remodelações); visitámos livrarias, comemos ramen, atravessámos a ponte de Brooklyn a pé e depois comemos um gelado e eu tricotei com Nova Iorque como pano de fundo. À parte do primeiro glorioso dia, fez bastante frio e houve zonas em que o vento era quase impossível de suportar mas quem quer ver coisas sujeita-se a muita coisa. Nova Iorque é apaixonante mas ao mesmo tempo deprimente: a quantidade de sem abrigos, a distinta sensação que muita gente trabalha quase só para aquecer, muita gente mais velha que já devia estar reformada ainda a trabalhar, a sujidade das ruas, os sítios onde era quase impossível meter pé.

Pensei que fosse daquelas cidades que vemos uma vez e está visto mas descobri, com esta segunda visita, que é mais daquelas cidades onde vale muito a pena voltar e simplesmente deixarmo-nos levar pela vida quotidiana. Caminhar muito para todo o lado e evitar o sistema de transportes muitas vezes a abarrotar, ouvir tantas línguas diferentes à nossa volta, sentirmo-nos verdadeiramente no centro do mundo, onde tudo acontece e, principalmente, onde tudo é possível. Mas naquela típica análise que se faz depois de conhecer uma cidade nova: não, não gostava de viver lá. Apenas voltar uma e outra vez, com a certeza de que posso depois regressar ao conforto e falta de agitação deste pedaço de velho mundo.