Um post sobre bullying (porque tem mesmo de ser)

(É daqueles posts que eu não queria escrever. Arrisco-me a dizer que é daqueles posts que ninguém queria escrever ou ler. Mas, cada dia que passa, sinto que é mais e mais necessário, nem que seja para eu me livrar desta sensação de enfartamento.)

Comecemos pelo princípio: eu também sofri bullying quando andava na escola. O fenómeno não é novo, todos assistimos a situações destas, da primária à universidade, com mais ou menos efeitos nefastos sobre as vitímas. Lembro-me especificamente de dois momentos difíceis para mim: quando um colega me puxou os cabelos até a minha cabeça estar perto do chão e o ritual diário de outro colega que gozava comigo, ambos quando andava no quinto ou no sexto ano. Para resolver a primeira situação, os meus pais telefonaram aos pais do meu colega e queixaram-se , depois de não conseguirmos resultados doutra maneira; para resolver a segunda, e eu sei que isto é simultaneamente incrível e hilariante, a minha avó e a minha tia foram esperar-me à porta da escola, pediram-me que identificasse o meu colega e disseram-lhe das boas em voz bem alta e em frente de toda a gente (enquanto eu provavelmente me encolhia de vergonha). Resultados? Ambos deixaram de me incomodar e cheguei a ficar bastante amiga do segundo.

Estas são apenas duas situações que me marcaram mas eu sei que vivi mais e também sei que outras pessoas sofreram longa e enormemente com a violência, os ataques verbais e físicos, o desprezo, a chacota simplesmente porque não eram iguais aos seus agressores. E, normalmente, é isso que mais me incomoda: o bullying vem de um sítio de profunda falta de auto-estima e de intolerância das coisas mais simples e triviais. A relação mais comum entre agressor e vítima no meu tempo de escola era entre a criança inteligente, estudiosa e esforçada e a criança para quem a escola não significava absolutamente nada.

Nas últimas semanas, um video de bullying violento à porta de um liceu luxemburguês circulou pelas redes sociais e despertou a indignação de estudantes, pais e restante comunidade escolar. Ontem, numa das redes sociais em que tenho conta, circulava também um video semelhante passado em Portugal, em que uma das crianças acaba atropelada por um carro. Escolhi não ver ambos os videos porque não me sinto capaz de lidar com imagens de violência gratuita e sem sentido mas sei que, como estes, existem muitos mais videos e muitas mais agressões que ficam (felizmente) por registar.

E, no entanto, senti que precisava de escrever alguma coisa. Porquê? Porque também temos em casa uma vítima de bullying e custa imaginar que um dia nos vejamos envolvidos numa situação com esta gravidade. O Vicente tem sido agredido verbalmente por alguns colegas desde o início do ano lectivo. Algumas vezes, os colegas usam palavras que nem nós nem ele sabemos o que querem dizer (embora desconfiemos); noutras vezes, insultam-me a mim porque sabem que isso o magoa; noutras vezes, dizem-lhe coisas que também o deixam triste, como “Tu és adoptado” ou “Volta para o lixo de onde vieste”.

Tudo isto dói. A nós mas especialmente a ele, que não consegue compreender os motivos para este tipo de interacções. Muitas vezes, o simples facto de ele estar a ler um livro durante o recreio despoleta estas agressões. Já mudou de lugar na sala para se afastar destes colegas mas é difícil escapar totalmente durante o normal funcionamento da escola.

Já fizemos várias queixas ao professor, que castiga os alunos mas sem resultados. E agora estamos na fase seguinte, em que uma assistente social está envolvida para fazer uma espécie de mediação e para tentar resolver as coisas com os pais das outras crianças. Descobrimos, entretanto, que ele não é a única vítima destes miúdos e que há pelo menos mais um colega que é agredido devido à cor da sua pele. Apetece-me dizer “Como é possível que isto ainda seja um tema em 2021?” mas sei que o caminho ainda agora começou.

Já procurámos recursos para lidarmos melhor com esta situação e para o ajudarmos a sair dela o mais intocado possível mas sabemos que o trabalho deve ser nosso porque não há soluções universais,. Há coisas que, para nós, têm sido fundamentais para navegar nestes dias: lembrar-lhe que ele é uma criança inteligente, curiosa, educada e muito amada e que nada disso se apaga com as palavras de outras pessoas; explicar-lhe que muitas destas agressões são o resultado de falta de auto-estima ou sentimento de inferioridade; mostrar-lhe que ele se pode e deve defender sempre que o queira e consiga fazer, em igual medida (o que significa responder na mesma moeda se a agressão alguma vez for física); tentar evitar a companhia destas crianças na medida do possível e sem nunca se isolar em momento algum; e, para mim talvez a coisa mais importante de todas, nunca mas NUNCA se calar face a uma injustiça, mesmo que seja outra pessoa a sofrê-la. É importante que ele (e os nossos outros filhos, claro) possa compreender que todos temos momentos difíceis, todos temos as nossas inseguranças e fraquezas mas que NADA disso justifica agredir (fisica ou verbalmente) outra pessoa.

Bem sei que o bullying não é de agora nem sequer vai acabar. Também se costuma dizer que as crianças são crueis e eu até aceito que possam algumas vezes dizer o que pensam sem compreender as consequências das suas palavras. O que não posso aceitar é ficar de braços cruzados, culpar os meus filhos apenas por existirem ou por não corresponderem à ideia que os outros têm de uma criança normal, desculpar os agressores por alguma falta de acompanhamento em casa ou no âmbito escolar. Não mudaria de ideias se fossem os nossos filhos os agressores: exijo deles exactamente o mesmo nível de empatia, de tolerância e respeito pelas regras de vida em sociedade que reclamo dos outros. Infelizmente, vejo no mundo dos adultos as mesmas falhas: a falta de respeito pelos outros, um individualismo cego que se manifesta nas coisas mais mundanas, uma triste incapacidade de sentirem empatia pelas pessoas que mais sofrem ou que estão mais desfavorecidas. E por isso sei que o problema é também nosso, dos adultos. Mas tenho esperança que, educando os nossos filhos para serem pessoas melhores, fazendo um esforço para que eles compreendam o papel de cada um no mundo, talvez possamos trazer para esta conversa uma centelha (mínima) de esperança. Neste momento, mais nada sei que fazer.