Porque é que ninguém me disse que isto ia ser assim?

Partilho convosco um resumo dos meus finais de dia.

17:30 - apanho o Vicente nos tempos livres. Normalmente, já fez os trabalhos de casa e está a divertir-se. Umas vezes a jogar às cartas, outras a desenhar ou a tentar perceber o xadrez. Os monitores explicam que ele se portou bem e que, no geral, tudo vai como deve ser.

17:35 - apanho a Amália nos tempos livres. Pela cara do monitor, já sei que ela lhe fez a cabeça em água. Ele conta-me, desagradado, como se passou a tarde. Ao que parece, ela não o respeita, faz apenas o que lhe apetece, desarruma sem voltar a arrumar, diz a uma colega que é má. Eu baixo-me à altura dela e demonstro-lhe que não estou contente com o que estou a ouvir e que este comportamento não pode continuar. Ela promete que amanhã vai ser melhor e abraça o monitor na mesma, enquanto se despede dele carinhosamente.

17:45 - apanho o Augusto na creche. As educadoras estão com um aspecto exausto: despenteadas, pálidas e nervosas. Descubro, dia após dia, que o Augusto é um dos grandes responsáveis por isto. Não obedece, foge delas em plena rua, pondo mesmo a sua vida em perigo, deita-se no chão quando não quer andar, parte os brinquedos porque só pensa em atirá-los para o chão, atira a comida de que não gosta para o chão, desafia-as sempre a dizer Não, mostra-lhes a língua. Eu baixo-me à altura dele e demonstro-lhe que não estou contente com o que estou a ouvir e que este comportamento não pode continuar. Ele promete que amanhã vai ser melhor, abraça as educadoras na mesma e não sai da creche sem dar um beijo repenicado a cada uma delas.

Por motivos diversos, é a mim que tem tocado este festival todo. Todos os dias da semana, durante semanas, durante meses. Respiro fundo antes de entrar em cada sítio, antecipando já o que me vão dizer e tentando encontrar justificações para tamanha indisciplina. Àquela hora, eu estou cansada do dia de trabalho mas sei que meu segundo dia está apenas a começar. Procuro conversar com eles para perceber o que os inquietou para se portarem assim. Ela diz que a colega a irritou, ele não se consegue explicar. Eu suspiro no curto caminho até casa, porque sei que a segunda ronda de gritos e disputas ainda está para começar.

Pergunto-me muitas vezes onde é que erro, como mãe. Já uma vez fui (fomos, na verdade) acusados de sermos pouco duros com eles mas a sensação que tenha é exactamente a contrária: há muitos castigos lá em casa e certamente mais gritos do que no mundo da parentalidade ideal. Também me pergunto onde vão as crianças buscar certos comportamentos: claro que sei que eles no copiam e olham para nós à procura de exemplo, mas ninguém vai acreditar que eu lhes mostro a língua quando me dizem qualquer coisa de que não gosto, não é? E também não podem acreditar que eu atiro tudo o que tenho à mão para o chão ou que chamo nomes às pessoas com quem não gosto de trabalhar? Eu sei que cada criança tem a sua própria personalidade, elas são muito mais do que apenas as pessoas que nós criámos e certamente diferentes das pessoas que imaginámos.

Este é o comportamento fora de casa. Agora juntem a isso a maneira como se portam em casa. As disputas constantes por um brinquedo com o qual nem querem brincar, os gritos porque um se atreveu a olhar para o outro, os empurrões e as rasteiras em que resultam tantas das brincadeiras, as birras porque o jantar é massa (ou sopa ou peixe ou carne ou arroz ou…), as claras birras de cansaço, as infinitas vezes em que parece que têm problemas de audição (nunca, mas nunca, fazem alguma coisa à primeira), a roupa que odeiam agora mas de que vão gostar nos próximos cinco minutos, etc etc etc. Podia continuar a enumerar os motivos mais parvos (mas algumas vezes divertidos) para estes miúdos se chatearem e, de arrasto, nos chatearem.

Na próxima vez que me virem e notarem mais cabelos brancos, façam-me um favor: não digam nada e rezem por mim e pela saúde dos meus ouvidos, pela contenção das minhas mãos e pela minha baixa tolerância ao barulho. Ao menos que alguém faça aquilo que peço…