Histórias de casamentos
Não acredito em histórias de amor perfeitas. Daquelas em que ninguém grita, ninguém tem dúvidas, ninguém acha que podia fazer melhor. Quando vejo alguém a querer passar a imagem de que a sua história é isenta de defeitos, torço o nariz, no mínimo, porque a vida se tem encarregado de me mostrar que o amor é tudo menos simples. O amor muitas vezes é trapalhão, muitas vezes magoa quando o que queria era abraçar, algumas vezes é simplesmente falso.
Mas ser assim realista não significa que não acredito na paixão, naquela magia dos primeiros momentos a dois, na sensação de que uma pessoa é a nossa pessoa e que nada poderá mudar isso. Ao mesmo tempo que sonho com a fase da descoberta, com o momento em que finalmente percebemos que se calhar aquilo é sério, aceito que esses momentos têm um fim e que o tempo, a rotina, os filhos, a falta de rede de suporte podem muitas vezes fazer esquecer como nos amamos debaixo dessa película do quotidiano. Mas depois há aqueles momentos, tão breves quanto intensos, em que nos damos conta que todas as coisas giram à volta do abraço, do sorriso, da paciência e do carinho de uma pessoa apenas e em que parece que o espaço vazio no nosso corpo é de repente ocupado por essa onda morna que é o amor.
Não me perguntem se não queria viver sempre naquele fervor dos primeiros dias, das primeiras semanas, em que basta encontramos o nosso amor e já os nossos braços ficam em pele de galinha, em que tudo deixa de ter importância para podermos conversar durante horas, em que a distância nos parece a coisa mais insuportável do mundo, em que formamos alianças que (esperamos) vão durar para a vida. Mas onde ficariam os filhos, as mudanças, os ombros em que nos fomos apoiando ao longo do tempo, a vida em comum e a aprendizagem tão dura que é aceitar partilhar o nosso espaço com alguém, os sonhos e os planos, todas as pedras de uma vida em comum? Onde ficariam as piadas de que só nós rimos, as viagens a dois, o silêncio sagrado de quem sabe que pode estar apenas calado?
Ver o “Marriage Story” é encolher um bocadinho, enquanto olhamos para a nossa vida enquanto casal. É o amor que se manifesta nas coisas mais mundanas, a admiração irracional que podemos sentir por coisas a que o outro não dá valor. Este filme é um tratado sobre a subtileza e a beleza de ser um casal, de ter filhos em comum e de como essa subtileza e beleza se podem estraçalhar para sempre no meio de falhas de comunicação, no meio de mal entendidos, no meio de uma relação em que os egos se podem agigantar até não restar mais nada. Duas pessoas que se amavam, que tinham crescido no meio da sua relação mas que talvez se tivessem tomado como garantidas. Duas pessoas que, apesar do escalar do conflito mediado por estranhos, apesar das palavras que se disseram e que não se poderão nunca mais apagar, de certa maneira ainda se amam - e para sempre.
Um casamento é assim. Ouvir, gritar, entender mal, tomar decisões impensadas, supôr mas nunca fechar a porta atrás de nós. Um casamento é esta negociação constante entre a pessoa que somos individualmente e a pessoa que a relação nos pede que sejamos e tudo ainda à mistura com as mesmas pessoas do lado oposto. É uma luta constante entre o que gostaríamos de fazer e aquilo que está certo mas é, sobretudo, nunca perder a vontade de insistir, investir, renovar. E (tentar) abraçar o outro, mesmo quando ou especialmente quando a vida tem outros planos para nós. Não sei o que futuro me reserva e nos reserva mas sei que o amor, esse, não há-de acabar.