Terceira semana de isolamento
Imagino que pareça mentira a toda a gente, isto que estamos a viver. A mim, acontece-me várias vezes ao dia surpreender-me quando penso que estamos confinados a casa ou que, pelo menos, devemos manter-nos em distante dos outros o máximo de tempo possível. Nestas semanas de quarentena, e como estou normalmente longe do computador, acabo por consumir menos notícias e deixei de sentir o aperto que tinha no peito na semana em que soubemos que as escolas iam fechar. Cheguei a pensar que era um enfarte mas, com um bocadinho de esforço, acalmei-me e acabei por compreender que era talvez um ataque de pânico.
Desde o dia 13 de Março que só vejo os restantes membros da família (pessoalmente, quero dizer). Falei com os meus vizinhos uma vez, não mais do que um, dois minutos e foi tudo. Falo com os meus pais e a minha irmã, já falámos com o meu cunhado, trocamos mensagens com amigos. Mantenho contacto regular com os colegas de trabalho, apesar de só “regressar” ao trabalho na semana que vem, mesmo que a partir de casa. Há quase um mês que não ponho os pés num supermercado e como sinto falta de fazer compras! Talvez seja melhor assim: lembro-me de ir ao supermercado na manhã a seguir a anunciarem o encerramento das escolas. As pessoas pareciam perdidas, já com algum medo, mesmo se não estivessem já a cumprir a normas de higiene que agora ouvimos repetidas até à exaustão. Quase chorei com a tensão que se sentia no ar, com o imenso desconhecido que estava estampado em cada cara.
No Sábado permiti-me sair de casa para um passeio a pé. Vinte e quatro horas a cuidar de crianças vezes catorze dias fizeram-me sentir exausta. É preciso equilibrar os trabalhos de casa de um, os interesses de brincadeiras dos outros dois, o trabalho que me está sempre a assaltar, inventar todas as refeições do dia, as tarefas domésticas que não terminam por estarmos em isolamento (tanta roupa e chão sujos, senhor!), gerir a minha própria saúde mental. Tentar não chorar por tudo e por nada à frente deles (só nós sabemos como tenho falhado nisso…), lidar com aquilo que acontece aos outros, lutar contra a vontade de antecipar cenários no fim disto tudo. Meti os phones, escolhi música e fiz uma caminhada pelo nosso bairro. Chorei quando passei na floresta por imaginar que os miúdos não estão a fazer os passeios normais com a escola, chorei à porta das escolas com saudades de os deixar ali todas as manhãs. Cruzei-me com duas pessoas que mudaram de passeio antes de se cruzarem comigo e também fiquei com vontade de chorar. Mas cheguei a casa a sentir as pernas, cheia de calor e isso fez-me muito bem.
E hoje resolvi levar os miúdos à floresta. É permitido sair para fazer caminhadas ou algum tipo de desporto e há muitos caminhos florestais por aqui que permitem que as pessoas se cruzem a uma distância segura. Todos precisávamos de esticar as pernas, mais eles do que eu porque sempre andam e correm muito durante as semanas de escola e todos precisávamos de uma mudança de cenário - o nosso pequeno jardim ajuda muito mas a sensação de liberdade é diminuta. Descemos até ao pequeno riacho (muito sujo por uma descarga poluente há umas semanas atrás) e cruzámo-nos com algumas pessoas, mais do que alguma vez tínhamos visto por estes caminhos. Eles apanharam paus, encheram os bolsos de pedras e quiseram ver animais mas eu expliquei que os leões e os tigres não vivem no Luxemburgo. Foi uma hora em que tudo parecia ter voltado ao normal. Essa sensação acabou quando voltámos às ruas alcatroadas e demos de caras com o silêncio da “civilização”. Ainda se ouve o trânsito na auto-estrada mas nada comparado com os dias “normais”.
O encerramento das escolas foi hoje adiado para, na melhor das hipóteses, a primeira semana de Maio, o que significa que eles vão estar, no mínimo, dois meses fora da sua rotina habitual. Eu, que não sou uma mãe adepta dos trabalhos manuais, tenho tentado que eles aprendam, brinquem, se mexam e relaxem sempre que possível. A única imposíção são os trabalhos de casa, tudo o resto vou improvisando conforme o dia. Três vezes por semana faço exercício enquanto eles brincam ou se juntam, trapalhões, a mim. Vejo tanta gente com super planos e com actividades e trabalhos manuais com materiais impossíveis de encontrar agora e sinto-me um pouco defeituosa, sabem? Só tenho tido força para que isto seja o menos traumático possível para todos, para que não gritemos ainda mais uns com os outros, para resolver os conflitos incessantes entre eles. E, no fundo, eu sei que isso é OK mas não há como não me comparar com os outros. Nunca pensei dizê-lo mas tenho saudades do meu escritório: dos meus dois ecrans, da minha grande secretária, de ver as pessoas passarem para irem buscar café, de trocar aqueles bons dias com os colegas-amigos. Se vai ficar tudo bem, não sei mas sei que não há mal que nunca acabe, nem bem que sempre dure.