Às sete semanas, uma luz (ténue) ao fundo do túnel
Chegámos à sétima semana de confinamento. Preciso repetir isto em voz alta para que possa fazer algum sentido e para que eu possa realmente acreditar nisto. Destas sete semanas, trabalhei a partir de casa durante duas e tomei contas dos miúdos nas restantes cinco (o governo luxemburguês paga o salário a quem não tenha com quem deixar os filhos. Pai e mãe podem dividir este tempo, desde que não o façam ao mesmo tempo). Os miúdos habituaram-se bem ao novo normal e, apesar de naturalmente terem saudades dos amigos, também não desgostam do conforto de estar em casa.
Os planos de desconfinamento já começaram por aqui. Na semana passada, todas as construções puderam voltar ao trabalho, assim como as lojas de materiais de construção e de jardinagem. A partir da mesma altura, uma máscara passou a ser obrigatória para andar nos transportes públicos e para os sítios onde a distância mínima não pode ser observada. A nossa comuna deixou-nos máscaras no correio para ajudar neste começo da nova realidade. As restantes medidas, como nos outros países, irão sendo tomadas faseadamente e tendo em conta os resultados das anteriores. A evolução da doença está controlada por enquanto, com cerca de 3,800 casos e 88 mortes, sendo que os casos recuperados são já mais de 3,000, ou seja, rapidamente vão superar o número total de infectados. O sistema de saúde luxemburguês esteve muito longe do colapso, o que lhe permitiu até receber pacientes franceses de zonas em que a epidemia estava completamente fora de controlo. Tudo parece ir bem.
Mas… há sempre um mas. Ao contrário de Portugal, aqui foi decidido que os alunos vão voltar às escolas antes de Setembro. Começam os mais velhos no início de Maio e os mais pequenos (em que se incluem os três cá de casa) têm o regresso previsto para o fim do mês de Maio. Quando soube, chorei, devo confessar. Pela simples ideia que é os meus filhos poderem retomar um pedacinho de normalidade nas suas vidas, por poderem voltar a aprender com a ajuda de quem sabe (e não com uma mãe que se exaspera com a divisão da terceira classe). Imaginei-os a descer a rua para a escola, contentes por poderem voltar e sei que isso lhes ia fazer um bem tremendo. Já foram anunciadas algumas ideias de como se vai fazer este regresso (turmas mais pequenas, indo à escola numa semana e aprendendo em casa na seguinte, distribuição de máscaras sociais,…) mas parecem não convencer toda a gente. Há já uma petição feita à câmara de deputados para adiar o começo das aulas para Setembro e que, ao que parece, vai mesmo ser discutida, uma vez que recebeu o número suficiente de assinaturas. Sobre a vida nas creches, ainda não ouvi nem li nada.
Este é o meu dilema: por um lado, celebro a ideia dos miúdos poderem regressar à realidade mais perto possível da normalidade; por outro lado, não consigo imaginar como vão conseguir que todos cumpram as regras de distanciamento e higiene social, especialmente numa creche. Parece que todos os alunos e professores serão testados antes da escola recomeçar, o que deve pelo menos sossegar alguns pais.
Há muitas pessoas nas redes sociais a gritar (figurativamente) que os seus filhos não são cobaias e que não deveriam retomar a escola antes de Setembro. Há quem diga que, mesmo que o governo prossiga com este calendário, os seus filhos não regressarão à escola. Aprofundemos o meu dilema: eu compreendo totalmente que os pais não queiram expôr os filhos à possibilidade de a) ficarem doentes e b) transportarem o vírus. Apesar dos números até agora sugerirem que as crianças não parecem ser muito afectadas e que são, maioritariamente, super spreaders, todos os casos que já vi/ouvi/li de pessoas aparentemente saudáveis que acabaram numa unidade de cuidados intensivos não me deixam descansada. Por outro lado, este confinamento já deu os resultados que tinha a dar: não esgotar as capacidades do sistema nacional de saúde e fazer todos ganhar tempo nesta corrida contra o tempo para a criação de uma vacina e/ou tratamento. Foi por isso que nos fechámos em casa, não propriamente para evitar o vírus.
E depois há outra coisa: numa situação como esta, em que os níveis de incerteza, desconhecimento e ansiedade estão a rebentar a escala, a única maneira que encontrei de manter a minha sanidade mental é confiar absolutamente na ciência e nas cabeças que nos governam*. Os governos vão errar, alguns dirão que muitos já erraram mas não há nenhum manual de gestão de uma situação como esta. O meu método é tentar ler e aprender de fontes fidedignas, observar os resultados nos outros países e ouvir atentamente as recomendações e explicações do governo luxemburguês, que aliás tem uma tarefa bem facilitada, dado o reduzido número de habitantes (já há rumores de que toda a população irá ser testada - testes normais, bem como os serológicos - , o que descansa um pouco uma pessoa como eu).
Todos os trabalhadores da minha empresa foram postos em layoff e eu, como outras excepções, ainda escapo por estar de licença. No dia em que as escolas recomeçarem, o meu layoff torna-se uma realidade. É claro que tenho medo do futuro, especialmente porque sei que a minha empresa não poderá recuperar disto tão depressa e eu sei lá que postos de trabalho vão ser mantidos. Olho à minha volta e francamente não há grandes razões para estar optimista, excepção feita à minha família e amigos que continuam saudáveis até agora. Mas a ideia de recuperar uma nesga de normalidade para nós e para os miúdos deixou-me uma pontinha de esperança. Todos sabemos que o vírus não vai desaparecer e que há que aprender a conviver com ele. Os que defendem o regresso à escola em Setembro esperam o quê, que tudo esteja resolvido até lá?
Respiremos fundo, procuremos refúgio na ciência. Eu só posso agradecer o profundo privilégio que é poder abrandar e viver uma vida muito mais calma. No fundo, acho que eu sempre desejei isto (sem os efeitos de uma pandemia, é evidente): não ter de perder horas no trânsito, poder fazer aquelas coisas em casa que adiamos sempre porque tínhamos outros sítios onde ir, cozinhar com mais tempo e dedicar mais tempo às coisas que me dão prazer. Estou a aprender a não morrer de ansiedade por não poder controlar quase nada neste momento e então faço a única coisa que posso: aceito e espero trabalhar numa nova versão de mim mesma enquanto uma possível segunda vaga não chega.