Primeiras semanas de "liberdade"!
Escrevo-vos do início da terceira semana de aulas depois da quarentena. Os miúdos voltaram à escola no dia 25 de Maio, com muitas restrições e grupos bem pequenos em cada sala para que se possa facilmente despistar os casos se for necessário. Deixámos de poder entrar no pátio da escola e na creche mas eles nem pestanejaram e ficaram muito felizes por poderem voltar à normalidade. Entretanto, tiveram uma semana de férias e aí foi um pouco estranho porque havia poucas crianças nas actividades de tempos livres. Como aqui o pai sempre trabalhou desde o início e eu estava morta por regressar ao trabalho, inscrevemo-los mas partiu-me um bocado o coração vê-los no fim do dia só com um ou dois miúdos, às vezes sozinhos com os educadores. Mas eles nunca se queixaram, voltaram a casa sempre felizes e com mais tralha que tinham feito durante o dia e isso descansou-me.
Nos recreios, não há verdadeiramente uma separação entre crianças. Separaram-nos em grupos mais pequenos mas durante as pausas brincam livremente. Só conseguia pensar naquela foto de uma escola francesa (havia quem dissesse que era fake mas sei lá eu…), com os miúdos cada um em seu quadrado desenhado a giz no chão mas sempre achei que essa abordagem era um pouco radical e esperava que aí seguissem mais o exemplo de países como a Dinamarca, onde as crianças retomaram a escola mais cedo com bastante sucesso e sem necessidade de tantas restrições. Como nesses países, privilegiam as brincadeiras ao ar livre sempre que possível e têm passado grande parte destas semanas entre o pátio da escola/creche e a floresta aqui ao pé de casa, o que é óptimo para recuperarem a forma física (a quarentena foi um bocado baixa em motivação para exercício…).
Eu voltei a trabalhar e agora estou em layoff ou desemprego parcial, como lhe chamam aqui. Trabalho 50% do meu tempo e ainda não há previsões para o regresso ao tempo inteiro nem mesmo ao escritório. Trabalho na minha sala enquanto ouço o Telejornal, estendo roupa ou lavo louça nas pausas e resolvo coisas que ficaram pendentes durante a quarentena. E confesso: não quero trabalhar mais num escritório! Trabalhar a partir de casa faz com que nunca ande a correr para deixar/apanhar os miúdos e correr para o trabalho/casa. Quase não tenho pegado no carro e aproveito as minhas horas de almoço para andar a pé. Estou tranquila no conforto da minha casa e só um segundo monitor me dava jeito para o computador mas vivo sem isso também.
Desliguei-me um bocado das notícias. No início, era uma loucura, estava permanentemente à escuta, via todas a conferências de imprensa do governo luxemburguês e ainda as da DGS em Portugal, consultava os sites dos jornais várias vezes por hora se estivesse em frente ao computador e estava cada vez mais ansiosa. Parei com isso tudo e tento proteger-me desses excessos. Parece-me impossível já terem passado três meses desde a última vez que fui ao escritório e olho para trás com uma sensação traumática grande. Psicologicamente, esta pandemia deitou-me bastante abaixo, por muito que me custe admitir. Nunca tivemos problemas de saúde (família e amigos incluídos), não perdemos grandes rendimentos, apenas a nossa liberdade mas sinto-me como se um camião me tivesse passado por cima. Chorei tanto a ver imagens das pessoas nos hospitais italianos, chorei a ver tantas cidades do mundo vazias de gente, chorei maioritariamente pela incerteza gigantesca e pela falta de controlo que senti durante estes três meses. Às vezes sinto-me mal porque vivi isto tudo numa bolha de privilégio inacreditável mas também sinto que tenho direito a chorar esta catástrofe mesmo assim.
No fim de semana passado, saímos pela primeira vez de carro para passear. Queríamos pelo menos ver os campos mais a Norte, que nesta altura do ano estão cheios de espigas, papoilas, tudo verde e quase exuberante. Parámos num caminho rural, comemos qualquer coisa, andámos por ali até eles verem vacas e fazerem o seu xixi no campo, respirámos fundo, apanhámos Sol, estivemos longe de casa e debaixo de um céu aberto. Eu sonho com o nosso regresso a Portugal, mesmo que ainda não saibamos quando ou sequer se vamos. Há a questão das fronteiras e depois há a questão do raio da doença: cumprimos à risca o nosso isolamento social, respeitamos os gestos barreira e a normas de higien mas e se estivermos infectado sem saber e levarmos a doença connosco? Ia partir-me o coração se fomos culpados de algum foco de contágio. Mas há um ano que não vemos a nossa família e os miúdos não param de pedir para irem para casa dos avós e as saudades de Lisboa também apertam… Talvez haja notícias em breve, assim saibamos quando abrem as fronteiras francesas. E vocês desse lado, já conseguiram voltar a respirar fundo?