Ser portuguesa no Luxemburgo

Esta conversa aconteceu ontem, num atelier duma costureira Luxemburguesa.

(eu a soletrar-lhe o meu nome para ela escrever no recibo)

Ela: Ah, é italiana?

Eu: Não, sou portuguesa.

Ela: Humm, é que não parece…

Eu: Porquê? Por causa dos meus cabelos brancos?

Ela: Sim. Mas também pela maneira como fala.

Eu: Ah sim? Falo como?

Ela: Como uma francesa…

A minha opinião sobre a aceitação e integração dos estrangeiros no Luxemburgo é bastante cautelosa. Por um lado, é inegável que a sociedade luxemburguesa acolhe e tenta integrar a quantidade impensável de estrangeiros que vivem aqui ou que chegam aqui todos os anos, Basta pensar que, em pouco mais de 600 mil habitantes, 290 mil são estrangeiros. E destes, quase cem mil são portugueses (fonte).

O país tem três línguas oficiais (o Francês, o Alemão e o Luxemburguês) mas em alguns serviços públicos há também suporte e documentação em Português e o Inglês também é aceite em quase todo o lado. Só na cidade do Luxemburgo convivem cerca de 160 nacionalidade diferentes - por si só, este é um indicador do forte multiculturalismo que se vive por aqui. Há imensas manifestações culturais (e até religiosas) de vários cantos do mundo, como por exemplo a peregrinação a Wiltz (no Norte do país), onde se encontra um santuário de Nossa Senhora de Fátima.

Devo dizer, no entanto, que a minha experiência com alguns cidadãos luxemburgueses vai no sentido totalmente inverso desta aparente integração. Bastou-me muitas vezes dizer que sou portuguesa para o tom de uma conversa passar de amigável para seco. E não ajuda, o facto de não saber falar Luxemburguês: é totalmente visível que as pessoas que falam a língua têm um tratamento diferente, nem que seja pelo maior à-vontade durante uma conversa no supermercado, num gabinete médico ou numa reunião escolar. Tento não julgar os luxemburgueses: afinal, não deve ser agradável este sentimento que a sua língua, cultura e tradições podem estar condenadas a desaparecer neste pequeno mais intenso melting pot. Não é à toa que o lema dos luxemburgueses é Mir wëlle bleiwe wat mir sinn, que se traduz por qualquer coisa como Queremos ser como sempre fomos. É um lema muito bonito, de conservação do património linguístico e cultural e que demonstra o esforço (muitas vezes inglório) para não sucumbir às influências daqueles que vão construindo e modificando o país. Também se pode argumentar que é um símbolo de alguma falta de horizontes mas eu cá prefiro a primeira versão.

Também não é à toa que a animosidade dos luxemburgueses para com os portugueses possa ser mais exacerbada. Os portugueses representam neste momento 16% da população total do Luxemburgo e há quem diga 25% da população activa. Há pequenas vilas onde se fala mais Português do que outra língua qualquer, há cafés, restaurantes e mercearias especializados em produtos portugueses, há clubes de futebol a replicar os clubes portugueses (como este), o português é a língua mais falada onde quer que exista alguma construção. Mas é bom também não esquecer que há décadas que os portugueses ajudam este país a crescer, muitas vezes à custa das suas próprias famílias ou de uma vida verdadeiramente digna. Há décadas que nascem portugueses aqui que, à força dos anos que vão passando, se vão naturalizando e assimilando cada vez mais a cultura luxemburguesa, guardando apenas o seu amor a Portugal mas aquelas três semanas de férias. A flexibilidade e a capacidade de adaptação dos portugueses faz com que estejamos espalhados por todo o mundo e por isso não é surpreendente que estejamos também implantados aqui,

Estereótipos, como em tantos outros países, há muitos. Simplificando, os portugueses não passam de serventes de pedreiros (eles) e empregadas de limpeza (elas); os franceses tomam conta do comércio e restauração; os italianos são bons é nas mercearias… Os luxemburgueses esquecem-se muitas vezes que há pessoas para todos os cargos e sectores da sociedade de todas as nacionalidades. Mas em Portugal acontece o mesmo com os brasileiros, por exemplo.

Pouco depois de chegar ao Luxemburgo, fui com o Mário inscrever-me no Centro de Segurança Social para obter o número que basicamente prova que tu existes dentro desta sociedade. O funcionário que nos atendeu, mesmo depois de verificar os formulários com a nossa informação, perguntou ao Mário quantas mulheres tinha. Em 2012, de um cidadão europeu para outro cidadão europeu. Enfim, casos como estes são isolados e provam ou a extrema ignorância de uma pessoa ou a sua inclinação para ser apenas maldosa e colocar-nos naquele que ela pensava ser o nosso lugar. Mas o nosso lugar é aqui, num país que aprendemos a amar e a odiar às vezes, num país de que sentimos falta quando estamos fora. E, sinceramente, o nosso lugar é em qualquer parte do mundo onde possamos ser úteis, onde nos sintamos em casa, onde os nossos filhos possam crescer felizes e em segurança. Mas há sete anos que assentámos arraiais aqui e, mesmo que nos torçam o nariz assim que descobrem a nossa nacionalidade, é esta a nossa casa.