2020, um balanço: lidar com um mundo em colapso

Este ano, em vez de escrever um post de reflexão sobre o ano que está: quase acabar, resolvi fazer toda uma série de posts, com algumas coisas que me fizeram feliz, outras que me deixaram indiferentes e ainda as que me deixaram de rastos.

Hoje quero falar sobre coisas que me fizeram bem, coisas que me ajudaram a relaxar e a esquecer-me do que se passava lá fora (mesmo quando estavam relacionadas com esses mesmos acontecimentos). Quero falar das coisas que contrabalançaram as cidades vazias, os tanques em Bergamo a transportar os caixões para os quais já não havia lugar, as pessoas a morrerem subitamente nas ruas de Wuhan, as pessoas a quem falta companhia, trabalho e dinheiro, as pessoas que morreram sozinhas num quarto de hospital, as pessoas que, meses depois de terem sido dadas como curadas, continuam a sofrer. Quero falar das coisas que me ajudaram a manter a esperança, a usar bem o meu tempo e a ter (muito de vez em quando) esperança que tudo acabaria bem.

Exercício físico

No momento em que vos escrevo, levo 42 semanas consecutivas a atingir o meu objectivo semanal de exercício físico, num total de 2,021 minutos de exercício (ou seja, mais de 36 horas) . Sei isto porque uso uma aplicação que mantém estes registos, o que funciona como uma óptima fonte de motivação. Na maior parte das semanas, isto implicou muita disciplina e rigor: levantar-me três vezes por semana às 5:30 da manhã para fazer exercício e poder despachar-me a mim e depois aos miúdos antes da escola e do trabalho; foi arranjar maneira de enfiar uma sessão fora do plano quando, por algum motivo, não consegui fazer nos dias que tinha planificado; muitas vezes, foi fazer exercício e tentar manter a sanidade mental com três filhos a brigarem mesmo ao lado.

Perdi peso e bastante volume, mas ainda vou longe dos meus objectivos iniciais. Mas o melhor foi sentir que me superei em todas estas semanas, que fui mais forte do que a minha cabeça e do que aqueles dias em me custou tanto sair da cama. E é sentir-me mais saudável e mais capaz, menos cansada ao final do dia, mais forte.

Podcasts

Parece parvo, eu sei. Mas umas das coisas que eu decidi fazer em 2020, mesmo antes de começar todo o shit show que foi este ano, foi aprender mais. Primeiro, porque já há um tempo que sentia que não estava habituada a ouvir posições contrárias às minhas; e segundo, porque decidi rentabilizar o meu tempo com coisas úteis. Vivermos numa bolha constituída apenas de pessoas e opiniões semelhantes às nossas é talvez um dos maiores perigos que corremos hoje em dia e eu decidi fazer o mínimo possível para mudar isso. Os podcasts que mais ouvi este ano, excluindo alguns que foram só séries únicas ou sobre um tema em específico, foram (sem ordem de preferência):


The New Abnormal: um podcast dos jornalistas Rick Wilson e Molly Jong-Fast sobre o que se vai passando nos Estados Unidos. Rick é um republicano e um dos fundadores do The Lincoln Project (uma plataforma de republicanos contra Trump e que tiveram um papel fundamental na sua derrota nestas eleições) e Molly é uma comentadora da ala esquerda - juntos, comentam os acontecimentos políticos americanos com muita acidez e humor;

Conan O’Brien Needs a Friend: ele não precisa de apresentação e os convidados dele também não. O ponto de partida é sempre o mesmo: o convidado é alguém que Conan admira. Adorei os episódios com a Michelle Obama, Jim Carrey, Jeff Goldblum ou Wanda Sykes mas são todos mesmo bons!

Eixo do Mal: a versão podcast do programa da Sic Notícias. Sou fã do Luís Pedro Nunes, gosto do tom um pouco amargo da Clara Ferreira Alves, admito as posições do Daniel Oliveira e simpatizo com o portista Pedro Marques Lopes.

O Fred e a Inês Falam de Coisas: já aqui falei deste podcast e continua a ser um dos meus preferidos. O Fred e a Inês são dois amigos que vivem no Porto e que se juntam para conversar sobre assuntos importantes, fracturantes e divertidos. Adoro o sentido de humor deles e, apesar da nosa diferença de idades, sinto que me podia sentar àquela mesa com os meus amigos.

Governo Sombra: a versão podcast de outro programa da Sic Notícias. Sou muito fã do Ricardo Araújo Pereira (nunca vi um comunista tão giro e tão divertido…), gosto muito do Pedro Mexia desde o tempo do Estado Civil (saudades da blogosfera dos anos ‘00) e simpatizo moderamente com o João Miguel Tavares (cada vez menos mas enfim) por ser meu conterrâneo.

Hidden Brain: um podcast de Shankar Vedantan que explora a psicologia do comportamente humano e que traz especialistas que falam de coisas como a forma como exercemos influência sobre os outros, os resultados do confinamento e teletrabalho no nosso retorno ao escritório ou no poder da inveja como um factor de motivação.

This is Important: um podcast excelente para quem acompanhava a série Workaholics. É um podcast sobre as coisas mais parvas de que há memória (do género como é que vocês se sentam para fazer cocó…) e não recomendado a pessoas que se levam demasiado a sério.

Sem moderação: uma parceria entre a TSF e o Canal Q. Já aqui falei do Daniel Oliveira mas gosto de ouviir este podcast especialmente pelas intervenções do Francisco Mendes da Silva e do José Eduardo Martins, exactamente por se situarem num quadrante político que é praticamente o oposto ao meu. Muito interessante para questionar a minhas próprias posições.

PBX: um podcast que junta o culto e moderado Pedro Mexia com a doce e sonhadora Inês Maria Meneses em conversas sobre cinema, música e literatura. Uma maravilha para quem quer saber mais sobre o que se passa nas artes e letras, sempre com belos interlúdios musicais.

Irritações: a versão podcast de um programa da Sic Radical, com o Luís Pedro Nunes (de quem já me declarei fã), o sportinguista ferrenho José de Pina, a clássica Carla Quevedo e a divertida Joana Marques. Em cada episódio, cada um traz duas das coisas que os irritaram durante a semana e é o conteúdo de sonho para quem adora queixar-se! Fico sempre a pensar que irritação levaria semana a semana!

WTF: o podcast de Marc Maron é, para mim, o rei dos podcasts. Em cada episódio, ele entrevista alguém famoso (a entrevista dele ao Barack Obama é legendária!) e fala sobre a sua própria vida, sobre política e relações, sobre os seus gatos e a sua longa viagem em direcção à auto-compreensão e melhoria. É outro tipo de que gostaria de ser amiga!

Agora, agora e mais agora: descobri este podcast do historiador Rui Tavares já um pouco tarde mas não posso deixar de recomendar. São episódios que se passam algures em mil anos de história europeia, alguns mesmo antes do nascimento de Jesus Cristo e cada episódio está tão cheio de curiosidades e factos históricos que é impossível não ouvir e ficar boquiaberta.

Trabalho

Eu sei que um bocado parvo mas o trabalho também ajudou a passar o ano. No princípio do confinamento, passei umas nove semanas em casa de licença a tomar conta dos três e a tentar garantir que cumpriam os deveres escolares, ao mesmo tempo que preparava quantidades industriais de lanches e snacks. Foi uma opção nossa, da nossa família e não uma imposição. Tentei o meu melhor para os distrair e para os manter afastados do clima de depressão geral que se sentia assim que ligávamos a televisão.

Mas não posso mentir e dizer que não fiquei contente quando as escolas voltaram a abrir e eu pude dedicar-me a tempo inteiro ao trabalho, mesmo que o fizesse a partir de casa e sem os meus dois fiéis monitores gigantes. Poder trabalhar equivalia, para mim, a recuperar uma parte das rotinas e da normalidade, ao mesmo tempo em que me devolvia um propósito e um desafio constante.

A meio do confinamento, recebemos a notícia de que a nossa empresa tinha sido comprada por uma empresa maior. Esta notícia, apesar de ser um sinal de que este mercado não estava estagnado e de que novos desafios estavam para vir, também assustou toda a gente porque já sabemos que fusão de duas empresas = despedimentos para poupar dinheiro e consolidar posições e departamentos. No Verão. o novo CEO comunicou-nos numa videoconferência que seria necessário despedir 10% da força de trabalho e eu chorei. Foi uma chapada tão inesperada que nem me ocorria dizer nada, só chorar.

Não fui despedida. E, felizmente, nenhum dos meus colegas mais próximos foi despedido. Aconteceu, pelo contrário, vermo-nos inundados de ainda mais trabalho. de colaborações e pedidos. E todo este ano em teletrabalho permitiu que me organizasse à minha maneira, cumprindo o número de horas necessário mas distribuindo-as segundo a minha conveniência e permitindo um maior equilíbrio entre a minha vida pessoal e a minha vida profissional. Acabei o ano a agradecer à minha chefe com uma garrafa de Conventual tinto toda a confiança que depositou em mim e a liberdade de me organizar autonomamente durante estes meses.

Foi um bom ano, all things considered.

Não sou grande espingarda a socializar

Ontem participei num evento para mulheres que trabalham em áreas mais técnicas. Este evento é organizado por uma associação sem fins lucrativos em todo o mundo e tem como objectivo ajudar a atingir a paridade de géneros numa área que é - todos o sabemos - maioriariamente masculina. Alguém desta organização procura perfis de mulheres que encaixem nestes objectivos e convida-as a participar.

Esta não foi a primeira vez que fui convidada mas foi a primeira vez que decidi ir. Pensei que seria interessante sair um bocado da minha zona de conforto, falar com deconhecidos, tentar perceber se o mercado de trabalho mudou significativamente desde a última vez em que activamente procurei emprego, experimentar pôr-me mais out there. Como em muitas outras ocasiões, estive quase a desitir à última da hora porque não suporto a ideia de estar numa situação em que tudo é estranho: o sítio, as pessoas, o objectivo. Mas como estou a tentar ser uma pessoa melhor ou, sobretudo, diferente, aguentei-me e fui.

Não sou pessoa de meter conversa com ninguém e também não sou muito boa a manter toda uma conversa com estranhos mas, enquanto esperávamos pelo início do evento, consegui falar com duas americanas que me contaram muito mais sobre a sua vida do que aquilo que eu queria saber (uma tinha recebido uma factura do arranjo do carro ontem e precisava de um copo de vinho, à outra só faltava uma placa ao pescoço a dizer Eu sou a maior technical writer que alguma vez vais conhecer na vida.). Só eu sei como foi difícil manter o contacto visual e conseguir fazer alguma pergunta no meio de tanto bla bla bla.

No evento, estavam algumas empresas a recrutar para postos mais técnicos. A ordem de trabalhos era comida + bebida (mini sandes de tomate seco e fiambre, bolachinhas com creme de abacate, dois copos de tinto para mim) -> breve apresentação das empresas participantes -> uma espécie de speed interviewing, em que íamos passando pela mesa de cada empresa numa mini-entrevista de 5 minutos. Eu lá fui armada com os meus currículos e os meus cartões de visita e pronta para dar a volta à coisa, que eu na verdade não estou à procura de emprego. Percebi, antes das apresentações, que a maioria das pessoas que ali estava tinha formações mais técnicas e mais adequadas ao evento em si e isso fez com que eu ficasse ainda mais auto-consciente - mas afinal o que vim eu aqui fazer?

Logo na primeira entrevista, o rapaz diz-me que sim senhor mas só estão a contratar pessoas mais séniores. Na segunda, uma das entrevistadoras parecia aborrecida com o que eu estava a dizer, outra olhava constantemente para a porta. Promissor, pensei eu. À terceira, tive um bocadinho mais de sorte e apanhei três raparigas de três nacionalidades diferentes que gostaram que eu falasse muitas línguas. Primeiro (e único) ponto positivo da noite. Quando ia para a quarta entrevista, começaram a entrar outras pessoas e eu resolvi fazer uma pausa para mais uma mini sandes e um mini copo de vinho. Afinal, a pausa não foi pausa e eu resolvi pegar no meu casaco e voltar para casa.

Ainda assim, eu acho que valeu a pena. Fiquei a perceber como funcionam estes eventos, aprendi coisas sobre outras empresas, comi e bebi um bom tinto. Mas também me lembrei como não sou uma pessoa que sabe socializar. Não sei (nem quero, normalmente) meter conversa e depois mantê-la além daqueles segundos iniciais, não quero contar a minha história a estranhos, não quero que eles me contem a deles a não ser que me pareça interessante, não quero ter de abanar a cabeça quando o que me apetece dizer é Tu estás é cheio/a de tretas. Sou uma nódoa socialmente, eu sei. Não parecer descontraída, não sei relaxar, nem falar por falar. Sei só ficar ali a observar, em silêncio, até que alguém nos chama para começarem as actividades. Sei que estas coisas se trabalham mas também que é preciso querer. E eu não estou certa que quero. Não ajuda odiar pessoas no geral (menos os meus leitores, claro! ^^) mas isso fica para um outro post.