Palavra da semana: Absurdo

Tudo isto é um absurdo. Tudo!

Acabo de ler uma notícia sobre a possibilidade de um pastor numa zona remota da Mongólia ter contraído a peste bubónica ou, talvez se lembrem melhor, a peste negra. Eu já não sei lidar com todas as coisas que têm acontecido este ano. Quando cheguei a Dezembro passado, pensei que tínhamos tido o pior ano de sempre e estava cheia de esperança para 2020. Agora, olhar para trás é sinónimo de me rir da ingenuidade com que esperava o novo ano..

Estamos todos cansados. Estamos todos fartos de estar fechados em casa, de estarmos limitados nas nossas actividades diárias, de cumprirmos escrupulosamente as regras de higiene, de evitarmos mesmo as pessoas nos passeios, nos supermercados, nas escolas. Mas o que é frustrante é que tudo o que nós fazemos pode não ser suficiente porque dependemos sempre de um pressuposto: o de que a maioria das pessoas se comporta assim, respeitando as directivas dos nossos governos e das organizações de saúde.

É desesperante ver o que se passa no mundo. Em quase todos os países onde o desconfinamento é uma realidade, os números voltaram a crescer, com surtos localizados, é certo, mas que vão assustando aqui e ali. Depois de três meses em casa, as pessoas pareciam já ter assimilado a necessidade de mudar o seu comportamento e entendido que a vida tal como a conhecíamos não regressaria tão cedo. É claro que existem dois casos de recrudescimento destes surtos: por um lado, as festas clandestinas e a falta de cumprimento das regras de higiene em bares e restaurantes, as festas privadas reunindo mais de 50 pessoas(!) têm mostrado quão rápido as pessoas se podem esquecer de que o vírus continua aí e que isso traz consequências; por outro lado, a falta de condições nos transportes públicos e nas habitações de bairros mais degradados, as condições precárias em que vivem muitos trabalhadores também têm justificado esse aumento nos números mas sem que se possa verdadeiramente apontar o dedo às pessoas - elas são vítimas de um sistema que continua a ignorar direitos em nome do lucro e de maior produtividade.

Depois, há os líderes que simplesmente não souberam (ainda não sabem) lidar com a pandemia, especialmente aqueles que, fazendo-se testar todos os dias, sugerem que menos testes à população significariam necessariamente menos casos. Há os que não acreditam na ciência e preferem dar voz às teorias da conspiração, há os que confudem liberdade com irresponsabilidade, há os que acham que devemos sacrificar os mais frágeis em prol da economia. Há os que discordam de todas as regras e recomendações. há os que não entendem que, tal como na ciência, estas recomendações podem ser ajustadas e alteradas pelo tempo, fruto do nosso maior conhecimento e mais experiência com a doença. Há os que acham que vamos todos morrer (o que é um facto, apenas não todos agora), há os que acham que o vírus não existe e isto é tudo uma cabala de um grupo misterioso de gente que quer dominar o mundo, há os que culpam a China e os que fazem o que lhes apetece.

E depois, no meio disto tudo e como se toda esta confusão não fosse já suficiente, há os que vão aproveitando para cuspir ódio, há os que perpetuam preconceitos e estereótipos, há os que entendem que agora é o tempo de manifestarem toda a sua ignorância e mesquinhez. Fujo às caixas de comentários sempre que as vejo mais carregadas e tento ficar-me pelas fontes oficiais, das quais leio as publicações, justificações e recomendações, que tomo como as certas, consciente de que toda a gente pode mesmo assim errar.

Depois, as notícias da peste suína. Depois, as notícias sobre a peste bubónica. Depois, as guerras que se arrastam há anos e a fome que trazem consigo. Depois, os desastres naturais, sempre a multiplicarem-se. Depois o racismo, a homofobia, a transfobia, o abuso de poder, a impunidade, a extrema direita (que até há bem pouco tempo não tinha assento no parlamento português e puff!, vai-se a ver e agora já tem) a ganhar terreno, as teorias da conspiração, o tráfico de pessoas, as alterações climáticas (cada vez mais evidentes e com consequências cada vez mais trágicas), a crise financeira que já está a espreitar, a sensação de que estamos à deriva, sem qualquer esperança de podermos atracar num porto seguro.

O meu segredo para lutar contra isto tudo? Concentrar-me nos meus filhos e trabalhar para que eles possam ser uma mudança no mundo. Filtrar o que consumo, as fontes de onde consumo, deixando espaço ao contraditório e à reflexão. Tentar fazer tudo o melhor que posso. Procurar a beleza nas coisas mais triviais. Lembrar-me que vozes de burro não chegam ao céu. E secretamente esperar que todas as pessoas privilegiadas ponham a mão na consciência, abrandem o ritmo e não deitem tudo o que todos conseguimos a perder.