Luxemburgo -> Portalegre
Aqui estamos nós, dois dias e dois mil quilómetros de viagem depois, estacionados em pleno Verão nesta serra alentejana, nunca abaixo dos trinta e cinco graus de temperatura.
A viagem foi tranquila. Imaginava que não haveria tanta gente na estrada este ano, a julgar pelos comentários de outros emigrantes que tinha lido por aí. Os países do Norte de África continuam com as fronteiras encerradas, apenas aceitando camiões de mercadoria, o que por si só já ajudou a diminuir o tráfego nas auto-estradas francesas. As áreas de serviço continuaram cheias mas não tanto como nos anos anteriores e com os cuidados necessários dadas as circunstâncias. Nós arranjámos uma maneira de evitar que os miúdos se vissem em grandes aglomerados de pessoas (uma sanita portátil, pessoas, a melhor invenção para quem tem de viajar em tempo de pandemia!) e com isso reduzimos as hipóteses de eles se esfregarem em paredes, de pegarem e repegarem em puxadores de portas, de tocarem em louça sanitária imunda (sim, experimentem uma área de serviço francesa em pleno Verão e depois venham trocar impressões…).
Certamente que este ano também há muita gente a trocar a habitual viagem de avião por uma viagem de carro mas pareceu-me que muita gente preferiu simplesmente evitar grandes deslocações. Não foi uma viagem totalmente pacífica porque (claro!) os miúdos aborrecem-se de tantas horas no carro e às tantas já estão a gritar que querem tirar o cinto e sair do carro, ignorando que estamos a viajar a mais de 120km por hora. Mas não existiram engarrafamentos excessivos (há sempre um ou outro, causados por acidentes que se evaporam no ar quanto chegamos à zona em que aconteceram…) e fizemos Espanha com a largueza e tranquilidade de sempre: estradas quase sempre vazias, o ocasional carro de emigrante a tentar chegar a Vilar Formoso antes do almoço, a paisagem seca e desoladora do interior do país, um bafo insuportável de quente e seco.
Chegados a Portalegre, foi altura de aceitar que vamos suar constantemente e que as roupas coladas ao corpo serão (aqui sim) o novo normal. Nem a noite arrefeceu nada que se visse e, pela primeira vez, suei durante a noite como nos bons velhos tempos em que o meu Verão era sempre isto e em que nem ar condicionado tínhamos em casa. O céu estava cinzento com tanto calor, nada daquele azul alentejano com que sonho tantas vezes.
Pensámos que, mesmo assim, os miúdos precisam sair de casa antes de uns dias que havemos de passar a dois. Todos no carro depois do almoço, direcção serra de São Mamede. Primeiro, a visita às antenas, ouvindo as cigarras cantando no meu da erva totalmente seca e subindo ao marco para admirar a Apartadura e mais além. Umas breves lições de geografia, um miúdo com medo de cair, outro pouco impressionado, ela a querer trepar por todo o lado. Depois viagem pela serra até à Apartadura, onde na verdade nem parámos. Daí, um salto até ao Senhor dos Aflitos porque era o único sítio que eu me lemprava de reunir a) sombra b) água e c) espaço suficiente para eles correrem um bocado ou andar de trotinete. Não me enganei: o largo estava todo à sombra e vazio, à excepção de um senhor que lavava o carro. A ribeira corrre pouco, quase seca e não está acessível como nas minhas memórias. Eles brincaram quando todo o tempo na fonte, espalhando água por todo o lado, lavando pedras e folhas, aliviando o calor. E finalmente, e eu compreendo o quão aleatório isto pode parecer (para pessoas que conhecem a zona), voltámos aos Alvarrões para comer um gelado e beber água num café à beira da estrada. Tudo sem combinações e ao sabor do bafo alentejano.
Um ano sem pisar Portugal e parece-me que o regresso não está a ser nada, nada mau. Máscaras e precauções à parte, estes dias prometem estar à altura das minhas distantes recordações.