Portalegre -> Lisboa
É mais forte do que nós: há uma certa urgência em voltar a Lisboa sempre que voltamos a pisar solo português. No meu caso, acho que é impossível apagar quinze anos que lá vivi. Preciso de cheirar as ruas, preciso de sentir que a minha rua continua no mesmo lugar, preciso ir à mesma pastelaria de sempre (mesmo que os empregados não sejam capazes de nos reconhecer), preciso tomar o pulso ao bairro e passear na Estrela.
Vínhamos com uma ilusão: Lisboa estaria ainda deserta, pelo menos de turistas. Compreendo o que isso significa para o comércio e para a hotelaria em particular, mas não consegui não estar em pulgas para ver se o que diziam nas notícias era mesmo verdade. E era mesmo! O eléctrico 28 quase sempre vazio, o jardim da Estrela bem mais calmo e frequentado maioritariamente por locais, os passeios à beira rio a meio gás, as reservas fáceis nos restaurantes. Não posso dizer que não há turistas em Lisboa: parecem mais tímidos mas cruzámo-nos com alguns pelas ruas do nosso bairro e pelos lados do Bairro Alto. Mas sem aquele ruído incessante de malas a serem arrastadas pela calçada lisboeta, sem eléctricos a rebentar pelas costuras, sem filas em sítios que escolhemos para experimentar.
Ficámos num hotel quase vazio. Por volta das oito da manhã, só nós tomávamos o pequeno-almoço num salão vazio e que, há um ano atrás, borbulhava de vida com turistas americanos e brasileiros. O staff do hotel estava reduzido ao mínimo e não pude deixar de pensar do resto que estará (espero) ainda em layoff temporário. Tínhamos a piscina quase sempre apenas para nós: imagino que os poucos turistas que escolheram este hotel tinham muitos planos para descobrir Lisboa; nós só queríamos silêncio, espreguiçadeiras e umas horas dedicadas à leitura.
Fomos cheirar o mar e comer peixe fresco, pudemos estar com a minha irmã e também com os meus cunhados e o nosso sobrinho, petiscámos em Paço de Arcos com amigos mas estivemos quase sempre só os dois. Era exactamente o que precisávamos: em anos normais, já sentimos que é necessário tirar dias a dois para repor as energias para mais um ano a cuidar dos nossos filhos sem pausas mas este ano foi tudo elevado a várias potências. Ter estado com eles durante três meses, dividida entre escolas, trabalho e todo o tempo livre que nos restava entre mãos foi extremamente desgastante. E, se imagino que para outras pessoas os sacrifícios foram muito maiores, apenas posso responder por aquilo que foi o nosso confinamento e digo: foi duro.
Em Lisboa, vi menos máscaras do que gostaria. Não quer dizer que as pessoas não cumpriam as regras em sítios fechados mas estava talvez mal habituada (no Luxemburgo, as pessoas usavam também máscara na rua, embora não fosse uma obrigação) e acho que gostava de ver um uso mais estrito. Todos os funcionários de todos os sítios onde fomos cumpriam na íntegra as regras de higiene e distância social e por isso nunca tivemos receio de entrar em nenhum lado. Evitámos grandes ajuntamentos de pessoas mas sinceramente não os há neste momento. Talvez nalgumas lojas, OK, mas fora disso foi muito tranquilo andar na rua e frequentar restaurantes.
Estar em Lisboa menos de uma semana nunca é e nunca será suficiente mas, de alguma maneira, alivia o aperto no coração e dá-nos força para enfrentar mais uns meses de ausência. Continuo a sonhar com as suas ruelas, com os poemas inspirados pelo Tejo e pelos telhados da Mouraria que nunca cheguei a escrever. Continuo a fazer (mentalmente) quilómetros pela calçada portuguesa, a pedir pães de Deus nas pastelarias, a discutir a esperteza ou a rudeza dos empregados de restaurante. Viaje por onde viajar, ainda estou no início da ponte Vasco da Gama e já eu sinto que estou em casa.