2020, um balanço: saudades vezes mil

Este ano, em vez de escrever um post de reflexão sobre o ano que está: quase acabar, resolvi fazer toda uma série de posts, com algumas coisas que me fizeram feliz, outras que me deixaram indiferentes e ainda as que me deixaram de rastos.

Saudades da família, dos amigos e das festas e feiras de Verão

É mais do que evidente: depois das pessoas que perderam a vida, das pessoas que continuam doentes ou das pessoas que perderam o trabalho, a coisa mais horrível desta pandemia é a nossa falta de liberdade de movimentos. Claro que chorei por razões muito diferentes durante estes nove meses mas lembro-me de, no auge do primeiro confinamento, chorar por duas coisas: ver as cidades totalmente vazias e não meter pé num supermercado durante mais de dois meses (e sim, eu sei que são problemas de primeiro mundo…).

Questões logísticas obrigaram-nos a ficar no Luxemburgo no Natal de 2019: o Mário trabalhava e não tínhamos tempo suficiente para as viagens. Portanto, a última vez que tínhamos visto a nossa família tinha sido no Verão de 2019. Quando o confinamento chegou ao Luxemburgo, acho que dificilmente alguém conseguiria imaginar a sua duração ou que as fronteiras iriam encerrar por toda a Europa mas lentamente fomos tendo essa dolorosa consciência.

Perdemos todas as nossas reservas para as férias da Páscoa mas nessa altura ainda mantínhamos a esperança de podermos ter qualquer coisa parecida com férias de Verão. Começámos a sair lentamente do confinamento no dia 25 de Maio, quando as escolas reabriram aqui. Tudo cheio de regras, de precauções, de divisões mas tudo para fazer crianças e pais sentirem-se minimamente seguros. Mas tudo em serviços mínimos: o desporto e actividades extra-curriculares estavam cancelados, as piscinas estavam fechadas, os grandes ajuntamentos de pessoas estavam (e continuam a estar) proibidos e por isso salsichas e copos de champanhe estavam fora do programa.

Eu sou uma pessoa-anti-social mas as feiras e festas de Verão aqui são tudo. Os cheiros são quase sempre os mesmos (carne grelhada, principalmente), as atracções idem aspas, só o sítio vai variando. Os miúdos não pescaram patos nem andaram no carrossel, não comemos salsichas nem eu bebi um copo de crémant, não vimos as mesmas barracas pela enésima vez. E a falta desses momentos familiares, depois de oito anos, custou. Preciso dizer que sempre pudemos sair de casa, portanto o confinamento nunca foi terrivelmente doloroso. Mas foi triste vermos cancelados todos os acontecimentos ao ar livre que sempre temos no calendário.

E depois houve a questão das nossas pessoas. Sem ir a Portugal desde Julho de 2019, passámos um ano longe da nossa família e amigos. Eu sei que me queixo de barriga cheia: há emigrantes que passam anos sem ir a Portugal. Mas nós habituámo-nos a ir pelo menos duas vezes por ano e 2020 não parecia estar de acordo com esses planos. A parte pior, sinceramente, é saber que os meus pais/irmã/avó/família do Mário não podem estar com os miúdos e os miúdos não podem ser mimados pelos avós/tios nem brincarem com os primos. É claro que tenho saudades dos nossos amigos mas sou adulta, sei lidar.

Por isso, quando finalmente fomos a Portugal (ainda a ideia de uma segunda vaga não passava disso mesmo e Portalegre tinha registado para aí um caso), limitámos as nossas visitas e os nossos contactos no geral. Mal contactámos amigos com medo da reacção ou por não sabermos se o momento era o ideal para nos misturarmos. Nós vínhamos de fora do país, acredito que é estranho para alguém que vive normalmente em Portugal receber (praticamente) estrangeiros em casa. Os únicos encontros que tivemos foram ao ar livre, em sítios públicos e com todos os cuidados que a situaçáo pedia e ainda pede mas souberam manifestamente a muito pouco.

Hoje, agradeço em silêncio a oportunidade de ter ido a Portugal no Verão porque chegou a altura do Natal e nós vamos ficar mais uma vez encalhados por terras luxemburguesas. A situação epidemiológica é grave no distrito de Portalegre e aqui não está muito melhor. Não quisemos arriscar ficarmos confinados num qualquer recolher obrigatório, não quisemos (potencialmente) transportar o vírus até à nossa família nem quisemos regressar com o virús para a nossa comunidade. E ontem, out of the blue, soubemos que um colega do Vicente foi diagnosticado positivo, o que significa teste para ele + auto-isolamento para todos nós.

Resignada, aceito as limitações, cumpro â regra as recomendaçóes das autoridades e protejo-nos ao mesmo tempo que protegemos os outros. Num país tão pequeno e com um número tão alto de casos, começa a ser muito real a sensação de que os próximos vamos ser nós. Esperando que isso não passe duma sensação infundada, aceito também as saudades, imaginando (como todos nós) quando raio vamos poder regressar a uma vida normal.