(este post é sobre estar num limbo)

Esta semana, os miúdos voltaram à escola depois de mais duas semanas de confinamento. Apanharam-me de surpresa, eu que ando sempre atenta às comunicações do governo e não pude antever o encerramento das escolas. Desta vez, fiquei eu em casa com eles e, apesar de estar oficialmente de licença para poder acompanhá-los, desta vez tive mesmo de trabalhar e foi o inferno.

Isto em parte explica a minha ausência do blogue mas não é tudo.

Eu, como muitas pessoas que leio por aí, tinha grandes esperanças que este ano fosse um ano de recuperação, de renovação e de regresso à vida normal possível. E por isso, não é de estranhar que o início do ano tenha rebentado com essas ilusões todas. O tempo gelado, cinzento e sombrio não ajudou a lidar com os números horríveis em Portugal, com a ameaça de resultados semelhantes aqui, com o mês de Janeiro em todo o mundo. A antiga creche dos miúdos fechou com treze casos positivos, entre educadoras e crianças e foi notícia de jornal. As vacinas vinham mas depois parece que não iam chegar para o que foi encomendado, depois pessoas passaram à frente dos prioritários a serem vacinados, e aqui a vacinação parece avançar a passo de caracol.

Aconteceram as eleições presidenciais em Portugal, a que assisti com um grande amargo de boca. Primeiro, porque quando fiz o cartão de cidadão não me perguntaram se me queria recensear nesse momento, como parece ser o processo habitual. E eu deixei passar o tempo, convencida que estava do meu recensamento aqui (já aqui tinha votado para as eleições europeias e eleições comunais, porque razão isso não serve para as presidenciais é um mistério…). O resultado: chegou a véspera da eleições e eu descobri que não podia votar nas eleições mais importantes de que me lembro. E isso leva-me ao segundo ponto: nas últimas eleições legislativas, fiquei feliz com os resultados porque Portugal parecia ser um dos únicos países da União Europeia a ter conseguido manter a extrema.direita fora de posições de poder, limitando-se a um único deputado. Estas eleições presidenciais mudaram tudo e a extrema direita foi a terceira força mais votada.

Não sou filiada em nenhum partido mas cresci numa casa de esquerda e é nos valores da esquerda que me revejo. Não concordo totalmente com as posições de um único partido de esquerda, antes com um somatório das posições mais importantes (direitos pessoais, enquadramento na União Europeia, políticas sociais) entre os partidos de esquerda. Mas, mais do que ideais políticos, há valores humanitários que são mais importantes para mim: a liberdade, o respeito pelos outros, o direito às escolhas individuais e o multiculturalismo. Eu quero viver numa sociedade onde todos têm voz, onde aprendemos uns com os outros, onde as pessoas podem decidir o que querem fazer com o seu corpo, onde as escolhas e orientações sexuais ou religiosas não transformam as pessoas em alvos a abater. Saber que há meio milhão de portugueses para quem esse valores básicos de convivência não são importantes (sendo, no limite, valores a combater) deixou-me triste, zangada, desiludida. E com vontade de fazer mais pela sociedade, seja de que forma for (as ideias estão de molho).

Depois, a minha mãe foi internada. Primeiro, sem saberem, muito bem porquê, como precaução. Sozinha numa enfermaria até o teste COVID vir negativo, depois numa enfermaria partilhada mas sem poder receber visitas. Entres exames e muitas dores, lá foi diagnosticada e operada poucos dias depois. É difícil não ter medo de estar internado nos dias que correm: e se fosse infectada durante a estadia no hospital? Claro que os hospitais serão possivelmente dos ambientes mais seguros neste momento mas uma pessoa ouvia falar de surtos em serviços hospitalares e até se arrepiava. Mas junta a minha voz ao coro de vozes a defender o nosso sistema nacional de saúde: a minha mãe foi acompanhada exemplarmente pela equipa médica, foi levada a Lisboa a fazer os exames não disponíveis em Portalegre e foi operada num curto espaço de tempo, mesmo tendo em conta as restrições que todos sabemos estão em vigor neste momento. Sinto-me grata por tudo ter corrido bem e triste por ter acompanhado tudo a dois mil quilómetros de distância…

E finalmente esta espécie de confinamento 2.0, estas duas semanas que se dividiram entre aulas à distância e férias de Carnaval. No ano passado, passei mais dois meses em casa com eles e não me pareceu tão mau. Talvez pelo medo e pela sensação de que, estando todos em casa, os podia proteger de uma doença desconhecida e também por estarmos na Primavera mas foram meses menos duros. Estas duas semanas arrasaram com o meu sistema nervoso: de um lado, um filho independente no que diz respeito à escola e dois pequenos a precisarem de apoio constante: por outro, obrigações profissionais a que não pude escapar e com prazos de entrega pouco flexíveis. Juntem a isso a minha incapacidade de organizar actividades para eles, o cansaço natural de um ano de pandemia, três personalidades que só estão bem aos gritos, à procura de conflitos, que parecem ter problemas de audição e que, fruto do confinamento, não se podem ver à frente e não podem viver uns sem os outros. O resultado: CABUM! Isto foi a minha cabeça a explodir.

Finalmente, já há luz quando acordamos. Finalmente, ainda há luz quando damos banhos e preparamos o jantar. Há países onde a vacinação corre muito bem e as pessoas fazem planos para voltar a viver como antes. Os miúdos voltaram à escola e posso trabalhar sem gritar com ninguém. Tive sempre trabalho e agradeço muitas vezes isso, porque sem trabalho durante este ano teria certamente fundido o resto dos fusíveis. A nossa família continua de saúde, nós também mas com a sensação de que estamos a escapar ao vírus apenas por um triz (já três casos nas turmas deles, que os obrigaram a ficar mais em casa) mas sabemos que fazemos a nossa parte e que, caso nos venha a tocar a nós, não foi por desleixo ou falta de cuidado. Faz quase um ano que começámos a viver este pesadelo que ainda não tem fim à vista. E eu, se ainda não dei totalmente em maluca até agora, talvez consiga manter mais alguns meses de sanidade…