2020, um balanço I: um ódio de estimação

Este ano, em vez de escrever um post de reflexão sobre o ano que está quase acabar, resolvi fazer toda uma série de posts, com algumas coisas que me fizeram feliz, outras que me deixaram indiferentes e ainda as que me deixaram de rastos.

Ódio de estimação

Esta é muito fácil e muito actual: o meu ódio de estimação este ano são os negacionistas.

Créditos: Mario Tama para Getty Images (vista aqui)

Lembro-me bem do mês de Fevereiro: havia já sinais de alarme vindos da China e já se começava a ver situações insustentáveis no Norte de Itália. Dois colegas de trabalho insistiram em ir fazer ski para uma estância que ficava onde? Em Bergamo, no Norte da Itália, um dos maiores focos de infecção da primeira vaga. A maioria das pessoas achou que era uma decisão inconsciente, uma vez que as viagens já eram desaconselhadas mas eles diziam que a situação não era grave, que era tudo um exagero e que iam tomar as precauções. Resultado: foram obrigados a fazer quarentena quando regressaram e uma semana depois começou o confinamento no Luxermburgo.

Isto aconteceu numa altura em que sabíamos muito pouco sobre a doença, apesar de já nessa altura ser claro que ela ia alastrar sem restrições. Os meus colegas não avaliaram bem a situação mas compreenderam mais tarde os riscos que tinham corrido.

Muitas pessoas parecem ainda não ter compreendido, nove meses depois, que o perigo existe e é real. Desde as pessoas que simplesmente se recusam a pactuar com as medidas de higiene mais básica e acham que usar máscara é um ataque às suas liberdades, aos grupos organizados que são pródigos em espalhar informação grosseira, falsa, fabricada, às pessoas que acham que a vacina nos vai injectar transmissores e receptores 5G para que um qualquer génio do mal nos controle. Não. Há. Pachorra.

Quero dizer, antes de mais: eu não acredito cegamente em tudo o que nos dizem. Mas ouço os factos/recomendações/medidas armada de alguma racionalidade e encaro-os como a minha (modesta, se calhar insignificante) contribuição para a manutenção dos nossos padrões de saúde pública. Eu compreendo, acima de tudo, que ninguém tem a solução milagrosa para esta pandemia: nenhum governo, nenhuma instituição mundial, nenhum indivíduo sozinho. E também compreendo que a mortalidade da doença não será mais alta do que outras doenças que já conhecíamos mas uma coisa me parece evidente: todos os esforços são também dirigidos para que os sistemas de saúde não colapsem e, consequentemente, morram ainda mais pessoas sem cuidados porque as urgências e cuidados intensivos estão a rebentar pelas costuras.

Acho que não se trata de aceitar tudo o que nos pedem sem nenhum espírito crítico mas sim de pesar, a muito custo, os prós e os contras de cada decisão que tem vindo a ser tomada. Trata-se de confiar nos nossos governantes e cientistas, sabendo obviamente que vão existir erros de julgamento e estratégias que vão falhar. E aceitar que tudo pode ter sido em vão mas isso só vamos poder ver no futuro, quando a distância for suficiente para finalmente olharmos para trás e estudarmos os efeitos dessas decisões. Até lá, estou do lado da ciência.

Há muita gente sem qualquer tipo de formação médica (e até mesmo sem qualquer tipo de formação) que diz que nunca tomará a vacina porque é impossível ter uma vacina que funcione em tão curto espaço de tempo. Mas esquecem-se que este vírus parou o mundo e alterou brutalmente a vida como a conhecíamos e por isso todos os esforços, todo o financiamento, todo o capital humano foram canalizados para encontrar uma solução assim que possível. E há ainda pessoas que acham que a vacina servirá para servir uma conspiração mundial (aliás, inter-planetária se acreditarmos nas teorias do Comando Intergaláctico - digam isto sem se rirem, se forem capazes!) que nos controlará a todos. Deve ser muito cansativo viver assim, é só o que me ocorre dizer.

É normal termos medo. É normal sentirmo-nos perdidos e não sabermos em quem confiar, afinal nenhum de nós viveu uma situação assim. É completamente legítimo o receio de uma vacina acabada de criar e da qual se conhece ainda muito pouco. É normal discordar de algumas medidas tomadas até agora, especialmente quando os factos demonstram que foram ineficazes. O que não é normal é viver a sonhar com uma conspiração que se esconde em todo o lado e cujo os objectivos são apenas diminuir e controlar a população da Terra. Negacionistas, este ano foi realmente vosso mas caramba, vocês cansam-me que sa farta.