Aquele em que o absurdo se torna real

TW: se forem muito impressionáveis, não continuem a ler este post. Tem uma fotografia que pode impressionar pessoas mais sensíveis.

Sou dadora de sangue. Sou-o com muito orgulho e um espécie de sentido de missão herdado do meu avô materno, a quem sempre conheci como um dador. Gosto de dar sangue, tenho boa veia e por isso raramente demoro mais do que cinco, dez minutos a atingir a quantidade ideal.

Há coisa de um mês, chamaram-me para dar plasma. A senhora ao telefone explicou-me que era quase a mesma coisa e perguntou se eu me importava de ir lá e eu acedi logo, nem me pareceu existir outra opção a não ser aceitar. O único problema, descobri depois, era que o processo não era exactamente o mesmo.

Na data marcada, cheguei com tempo para preencher o questionário, para falar com uma enfermeira e ter a certeza que tudo estava bem comigo. E, quando passei â sala propriamente dita, descobri que o dom se faz por uma espécie de hemodiálise, com a ajuda de uma máquina por onde o sangue passa para separar o plasma e que depois devolve o sangue através da mesma veia as vezes necessárias para quantidade acordada. Explicaram-me como tudo funcionava, ofereceram-me uma bebida fresca e lá começou. Tudo se estava a passar bem, o sangue saía, era separado do plasma e voltava a entrar no meu corpo. Eu estava tranquila. Até à última volta, em que lentamente comecei a perder as forças e quase os sentidos sem perceber muito bem o que estava acontecer. As enfermeiras ainda perceberam a tempo, pernas ao alto, medição de tensão e uma coca-cola bem fresca para despertar. Meia hora depois, estava fina. Assustada mas fina e pronta para voltar para casa. Tinha sido uma experiência esquisita mas eu estava decidida a dar uma segunda oportunidade.

Na segunda-feira passada, essa segunda oportunidade aconteceu. Eu não ia muito segura porque tinha a memória da última vez bem fresca mas parecia-me parvo não voltar a tentar. Lembrei às enfermeiras como tinha sido a primeira vez e elas garantiram que me iam acompanhar de perto para que a experiência não se repetia. E não se repetiu: aconteceu uma coisa totalmente diferente.

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Sentei-me e pedi logo uma coca-cola para encurtar caminho. A máquina começou o seu trabalho, vi o sangue a sair tranquilamente, o plasma a ser separado e o sangue a fazer depois o seu caminho de volta. Mas, de repente, a máquina apitou e a enfermeira veio ao pé de mim: alguma coisa estava a correr mal. Aparentemente, explicou-me ela, a pressão era demasiado alta e o sangue não estava a conseguir regressar à veia. Lá conferenciou com uma colega e ambas concluíram que o melhor era não continuar. Deram-me um pouco de pomada para possíveis hematomas e concordámos que o melhor era eu voltar ao dom de sangue e nada mais.

Saí bem, regressei a casa meio dorida mas nada de especial. O pior foi nos dias seguintes: não só o hematoma se espalhou pelo braço, como tinha uma parte que parecia mesmo infectada. Deixei de poder mexer o braço normalmente e comecei a ficar um bocado preocupada com o avançar das coisas. Precisei de ver um médico, que parecia não estar a acreditar na história do dom de plasma, mas que me medicou e tranquilizou. As marcas continuam cá mas pararam de alastrar e parece tudo sob controlo.

Não há dia em que não nos preocupemos com a nossa saúde, especialmente de há um ano para cá. Mas esquecemo-nos que há coisas que vão continuar a acontecer, independentemente da pandemia. E coisas meio absurdas e inesperadas, que nunca sequer tínhamos imaginado. Por isso, vale mais viver um dia de cada vez, sem pânicos desnecessários, cumprindo à risca as regras sanitárias. O que tem de ser tem (mesmo) muita força.