Coisas para ouvir 2
Há três bandas cuja música me teletransporta directamente para Lisboa: A Naifa, os Dead Combo e, é claro, os Linda Martini. Não é que a música deles tenha sido feita a pensar na cidade ou sequer na cidade mas as minhas memórias de Lisboa não existem sem estas canções. Tive a oportunidade de os ver a todos, múltiplas vezes até, antes de sair de Portugal.
A verdade é que passei muito tempo a sentir pena de mim mesma numa certa altura da minha vida. A sentir pena, a amaldiçoar as minhas más escolhas, a enganar-me a mim própria. Passava muito tempo sozinha, caminhava muito, subia aos meus miradouros preferidos em silêncio, voavam fins de semana sem dizer uma única palavra. Tinha tanto tempo para pensar e só me ocorria pensar na tristeza, na minha falta de amor próprio, nos meus falhanços. E esta incapacidade de olhar para além de mim mesma, de reconhecer que eu era mais do que um receptáculo de amor dos outros, era o maior falhanço de todos.
Mas, em todo este tempo, havia quem me consolasse. Havia quem me fizesse chorar com a potência das suas vibrações, havia quem me oferecesse a banda sonora perfeita para uma noite de trovoada na Lapa, havia quem me mostrasse que a poesia está em todo o lado e que se revela nas formas mais invulgares: só é preciso estar atenta. A guitarra portuguesa do Varatojo é pura magia, a potência do Hélio na bateria é um autêntico caso de estudo e a ligação silenciosa e profunda entre o Tó Trips e o Pedro Gonçalves chega a ser comovente.
Não tenho saudades de estar triste. Não tenho saudades de me sentir tão só ou de achar que não existia nada em mim que pudesse agradar aos outros. Não tenho saudades de achar que estava a viver em modo automático e de sentir que ia ser assim para sempre. Mas tenho sempre saudades de Lisboa, das bungavílias do miradouro de Santa Luzia, dos cacilheiros que cruzavam o Tejo à hora marcada, dos telhados encavalitados Alfama abaixo, do cheiro a Primavera, a castanhas ou a peixe grelhado. Tenho tantas saudades da Penha de França, do Alto do Pina e até mesmo de Telheiras. Tenho saudades das casas por onde passei, onde arrumei fases da minha vida, muitas vezes acompanhada, noutras completamente só. Tenho saudades de beber café na avenida Guerra Junqueiro, de fazer compras na Ferreira Borges, da minha Basílica da Estrela e do rio que espreita entre travessas sujas, cheias de lixo e turistas. Nunca soube como se pode não amar Lisboa mas agora já sei outra coisa importante, que é como gostar de mim própria. E estas canções, estas vozes ora melodiosas, ora gritando, lembram-me do passado, de uma pessoa que se estava a construir sem que nunca tivesse disso consciência. E farão para sempre parte da minha vida, mesmo que a ocasional lágrima se queira soltar quando os dias são menos bons.