Borboletas na Barriga

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Primavera, és tu?

Há mais de três meses em casa, hoje decidi sair de casa durante a pausa do almoço. O tempo está verdadeiramente primaveril mas no fundo eu só queria uma coisa: não passar mais um dia todo em casa de pijama.

Durante o primeiro confinamento, vesti-me todos os dias, mesmo quando só estava em casa a tomar conta dos miúdos. Levei-os a apanhar ar e a esticar as pernas bastantes vezes. Doze meses depois, não consigo fazer o mesmo por mim. Já não consigo encontrar aquela motivação de Março passado, de quando pensávamos que isto se resolvia em duas ou três semanas. A ingenuidade há muito que se foi.

Está difícil, não vou mentir. Difícil encontrar a motivação para fazer o que quer que seja, difícil explicar aos miúdos que não sabemos quando isto vai acabar, difícil não poder viajar e principalmente viajar para Portugal, difícil imaginar quando é que os meus pais vão ser vacinados e ainda mais difícil saber quando nos vai tocar a nós, difícil suportar as restrições (mesmo que as respeitemos sempre), difícil ver previsões do regresso à normalidade a serem adiadas mensalmente, semanalmente, dia a dia.

Por um lado, sinto que o meu sofrimento (se é que lhe podemos chamar assim) é totalmente injustificado: não perdemos o emprego, continuamos com saúde, a vida parece ter continuado como antes se fecharmos os olhos aos confinamentos e às medidas de distanciamento social. Por outro, há uma sensação de tragédia constante sobre os meus ombros (impending doom é a expressão que melhor se adequa ao que sinto), sempre a massacrar-me e lembrar-me de vez em quando quão ridículos são os meus problemas de primeiro mundo.

Sinto inveja dos países onde a maioria da população já está vacinada. Sinto inveja dos países onde, embora ainda fechados ao mundo, a vida já voltou mais ou menos ao normal. Todos os dias varro as redes sociais para saber se a nossa fase de vacinação já chegou (pfff"!Começam hoje a ser vacinadas as pessoas entre os 65 e 69 ano, ainda vou ter muito que invejar…). E mesmo que, para variar, seja um alívio não termos planos, fazem-me falta esses planos! Faz-me falta pensar no que vamos fazer nas férias, marcar alojamentos, decidir destinos, faz-me falta pensar em feiras e mercados e em salsichas acompanhadas com champanhe. E, cinco minutos depois, envergonho-me das coisas que me fazem falta, quando penso nos outros a quem faz falta um emprego, dinheiro para pagar as contas, comida na mesa.

Por isso, hoje saí para caminhar. Ir de música nos ouvidos, fingindo que estou num videoclip, arregançando as mangas com a temperatura primaveril, aproveitando a floresta vazia e ainda a despertar do Inverno. Todos os dias penso que já falta pouco, todos os dias me dou uma palmadinha nas costas, vá, pára de te queixar, tu aguentas mais uns tempos assim. E é verdade, é claro que aguento mas, um ano depois, uma pessoa vai secando um bocadinho todos os dias. Tomara que possamos também nós florescer muito em breve.