Borboletas na Barriga

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Dez anos (dez!) de Luxemburgo

O céu sobre o nosso bairro, depois da passagem das poeiras do Saara.

Festejo ou não festejo? Fico contente ou simplesmente ignoro esta efeméride? Assinalo-o, pelo menos.

Há precisamente dez anos, depois de uma longa viagem para trazer o nosso carro e a maioria das nossas coisas, aterrei no aeroporto do Luxemburgo com um filho de um ano e meio e juntei-me ao Mário, que já vivia aqui há quase mês. O dia estava cinzento e eu não consegui conter as lágrimas no caminho para a nossa primeira casa luxemburguesa.

Senti esta mudança como inevitável. Não trazia medo, apenas sabia que as saudades da família, dos amigos, de Portugal iam ser enormes mas uma pessoa acaba por se habituar. Apesar de tudo, estava cheia de entusiasmo, de curiosidade, de vontade de viver uma coisa tão nova e tão fora da minha zona de conforto. O meu Francês ressuscitou voluntariamente, directamente das salas do nono ano. Tinha fome de ver este canto do mundo e estava certa que as coisas iriam correr bem.

Comecei a trabalhar pouco mais de um mês depois - este tinha sido o período de desemprego mais longo na minha curta vida profissional. Ganhava imenso quando comparado com Portugal mas uma miséria quando comparado com o ordenado médio aqui. Estava um bocado deslumbrada com os valores, habituada a salários curtos e muitas vezes injustos e não me ocorreu sequer reclamar ou negociar. Mas pouco tempo depois, contactada por outra empresa, já não fui na conversa e pedi o que achava justo. Quem diria que podemos conseguir o que pedimos, simplesmente pedindo e justificando? Dez anos depois, ainda trabalho nessa mesma empresa.

Acrescentámos nesta vida dois filhos nascidos na cidade do Luxemburgo, em maternidades diferentes. (Estes filhos não teriam provavelmente nascido se ainda vivêssemos em Portugal). Passámos a ter mãos insuficientes para lidar com esta criançada toda mas sempre tivemos mais ou menos sorte com quem tomou conta deles nas diferentes idades.

Durante estes dez anos, precisei muitas vezes de forças e de paciência que nem sempre tive. Batalhei com os nossos problemas de primeiro mundo e sempre encontrei (encontrámos) soluções. Às vezes, durante dias ou semanas, fomos pais solteiros e sempre aguentámos o forte.

Dez anos depois, adoro o Luxemburgo mas às vezes também o detesto. A inflexibilidade de sabermos com o que contar é horrível quando precisamos de nos desenrascar. As pessoas toleram relativamente bem os estrangeiros mas não são tão positivas quando sabem que somos Portugueses. O tempo pode ser luminoso no Verão mas no Inverno o cinzento do céu é opressor. As florestas e os caminhos rurais são belíssimos mas o trânsito é uma loucura. Às vezes sentimo-nos em casa mas noutras é evidente que não pertencemos aqui. Muitas vezes estou no carro, a conduzir para o trabalho e penso “Como é possível que eu viva aqui há tantos anos?” - parece que nunca me habituei.

Seja como for, esta é também a nossa casa. Dez anos não são dez dias nem dez meses, são tempo suficiente para se conhecer este país e esta gente de trás para a frente. Dez anos a beber champanhe nos barbeques e jogos dos infantis, a comer salsichas nas feiras do Verão, a tentar decifrar uma língua tão estranha quanto difícil, sem saber se o vizinho é amigável ou simplesmente um bicho, a falar várias línguas por dia, com o cérebro feito em papa. Letzëbuerg, ech hunn dech gär mas não me importava às vezes de te ver pelas costas :)