Borboletas na Barriga

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De Setembro a Fevereiro: isto está mesmo a acontecer?

Alguém que me explique como nos podemos manter mentalmente sãos no meio desta trapalhada que é o mundo onde vivemos. Dois anos de pandemia e as consequências cada vez mais desastrosas das alterações climáticas já estavam a ser suficientes para me garantir suores nocturnos e pesadelos sem sentido - era mesmo necessário juntar a isto uma guerra?

Queria escrever qualquer coisa mas não me sai nada. Só me apetece queixar de alguma coisa ou chorar pelo estado do planeta/da política/da saúde. É estranho, o período em que vivemos: estamos quase a fechar dois anos de pandemia e aqui em casa ainda ninguém esteve infectado, enquanto outras pessoas que conhecemos já vão na segunda infecção. Talvez seja porque nos fechamos em casa sempre que possível e não aceitamos correr riscos desnecessários mas no que eu acredito mesmo é numa sorte descomunal. Tenho o rolo de fotos no telefone cheio de fotografias aos testes mensais, semanais, diários que os miúdos têm feito aqui em casa. Já vale fazer desenhos neles e tudo, não quero saber.

Tenho fotografias dos muitos recados dos professores, das boas notas sempre que há testes, das folhas a pedirem infinitos materiais escolares, das visitas e excursões, de horários de ginástica e de piscina. Tenho muitas fotografias dos gatos porque é com eles que passo a maior parte do meu tempo e porque eles nunca se enfadam se eu lhes tirar 3 ou 30 fotografias de seguida. Já os apanhei dentro da banheira, dentro de todos os armários cá de casa, deitados em camas e parapeitos da janela. A gata caiu da nossa varanda (um primeiro andar alto) quase sem darmos por nada mas ainda fui a tempo de a trazer para casa e chorar desalmadamente com ela ao colo, enquanto pensava que se calhar ela estava cheia de hemorragias internas (spoiler alert: não estava).

Tenho fotografias de passeios na floresta e de passeios na serra de São Mamede, tenho a nossa rua ao amanhecer e a meio do dia e mesmo quando a noite começa a cair. Tenho fotografias de um ou dois dias de neve porque foi tudo o que tivemos. Não tenho imagens da última semana, em que tivemos uma tempestade dia sim, dia não. Gostava de ter fotografias de mais sítios mas é demasiado difícil esforçarmo-nos para ir a algum lado. Prometo a mim mesma que isso vai mudar na Primavera mas sei lá eu que desgraça ainda vem aí.

Tenho muitas fotografias com filtros malucos, essencialmente para os fazer rir e para passarmos o tempo. Do que não tenho fotografias é do cansaço e desta sensação permamente que não estou a ser a mãe que eles merecem, nem dos gritos que são precisos para eles fazerem coisas tão simples como vestir-se ou lavar os dentes. Não tenho fotografias dos dias em que me apetece enfiá-los na cama mais cedo ou dos momentos em que não suporto mais as brigas sem nexo que começam sabe-se lá como. Depois, eles tiram uma boa nota aqui, portam-se bem na escola dois dias seguidos acolá, aprendem alguma coisa connosco e a gente esquece-se. Que seria, se não nos esquecêssemos…

Tenho fotografias dos livros que li porque estava orgulhosa: cumpri o objectivo que tinha no início do ano e gastei mais tempo a ler e menos a desperdiçar. Só me falta largar a porra das redes sociais que me sugam para outra dimensão, onde tempo é um conceito relativo e, quando dei por mim, tinha dado três voltas à minha timeline do Twitter. Tenho vergonha mas uso-as demasiado tempo, muito mais do que gostaria e é estúpido ser uma coisa que eu tenho poder para controlar e eu sem fazer nada. Mas nestes últimos tempos, quem não faz um bom bocado de doomscrolling merece todo o meu respeito e admiração.

Eu só quero que tudo passe. Mas até isso é estúpido: as coisas nunca mais vão ser as mesmas, as mudanças parecem ser profundíssimas e irreversíveis, o mundo é outro. Nunca mais vou poder sentir aquela sensação de viver uma vida boa sem pensar na quantidade de desgraças, catástrofes e más decisões acontecem mundo fora. Mas o que é mesmo, mesmo estúpido é sentir que perdi esta ingenuidade, esta fé em coisas melhores apenas ao 42 anos, como se até aqui o mundo e a vida tivessem sido um mar de rosas. Truques para optimismo, ainda há quem tenha?